Pense antes de querer ser pesquisador científico

por | nov 25, 2015

 

Não é novidade que a carreira de pesquisador científico não é fácil. Trazemos aqui uma análise desta opção de carreira, considerando os textos:

É fato que muitos professores e mesmo alunos e ex-alunos vêem o curso de bioquímica como um fornecedor de mão de obra para pós graduações, indicando que o único caminho é a pesquisa científica. Esta argumentação, que guarda um certo tom de ideologia e "religiosidade", apresenta inúmeros problemas:

 

  1. Nenhuma graduação e profissão se sustenta apenas formando pesquisadores;
  2. Pesquisador não se forma na graduação. Quem diz que uma graduação forma pesquisadores joga no lixo o real valor e significado de mestrados e principalmente doutorados (onde de fato se forma o pesquisador cientifico);
  3. Não é necessário uma graduação específica para se formar pesquisadores científicos: eles sempre foram biólogos, agrônomos, médicos, químicos, farmacêuticos, etc..Sendo assim, para que deveria existir um curso de bioquímica? Qual seria o diferencial? Será que existe mesmo diferencial entre entre ser biólogo e bioquímico, se se pretende ser pesquisador?
  4. Exemplos e fatos concretos de bioquímicos que fizeram suas carreiras fora da pesquisa científica, batendo de frente com esse argumento de bioquímico = pesquisador científico;
  5. Os inúmeros problemas da carreira científica, bem descritas no texto da neurocientista Suzana Houzel, fazem com que muitos desistam dessa carreira e outros muitos se frustrem, jogando essa frustração para cima da profissão e não da falta de orientação que tiveram (ou melhor, do excesso de orientação "ideológica" a favor do bioquímico pesquisador unicamente);
  6. Os fatores financeiros jogam contra a formação de pesquisadores, em especial, daqueles que entraram na universidade pública via cotas e desejam ascender socialmente: atualmente, a bolsa de mestrado é de 1500 reais e a de doutorado 2200 reais, pelo CNPQ (na Fapesp é mais alto, mas nem tanto assim). Sem FGTS, 13º salário, férias, INSS, plano de saúde, vale transporte e outros benefícios encontrados em empregos via CLT ou concursos estatutários. Se fôssemos descontar esses benefícios, um doutorando ganharia menos que um técnico em química na indústria! Ao longo de 10 anos pós graduação, este será o seu voto religioso de pobreza... Um pós doutorando (10 anos de formado após o bacharelado), em média, obtém uma bolsa de 4.500 reais, que descontados esses benefícios, equivalem o salário de um bacharel na indústria com experiência de 2 a 5 anos. Além disso, bolsas costumam ter curta duração, trazendo instabilidade a sua vida...mestrado são 2 anos e pós docs em geral, 1 ano apenas... Isso quando você não toma uma rasteira (atrasos nos pagamentos!) dos órgãos de fomento; LEIA TAMBÉM: A ciência no Brasil é bancada pelos pais, devido ao baixo valor das bolsas. 
  7. O longo tempo de formação de um pesquisador: 10 anos no mínimo!!! O tempo de formação de um pesquisador pode ser longo demais pra realidade sócio-econômica de muitos que desejam ascender socialmente. Além disso muita coisa muda em sua forma de pensar e na sua vida em 10 anos! De repente, 2200 reais se torna insuficiente para seus planos de casamento, para cuidar de seus pais, para viver numa métropole como São Paulo ou Rio de Janeiro etc. E ao final de tudo, você pode estar completamente inviável para ser contratado por empresas e indústrias, seja por que se lambuzou por completo na cultura acadêmica e não se adaptaria a cultura corporativa, seja porque se tornou ultraqualificado e caro, e/ou pior, estudou anos um assunto irrelevante para os interesses corporativos
  8. A síndrome de rato de laboratório: Não, não se trata de uma metáfora pra gente que vive no laboratório, mas quase isso... na academia, você nunca está bom o suficiente, você sempre vai ter que correr atrás do queijo igual o ratinho de laboratório.. sempre correndo atrás do máximo de papers, daquela bolsa mais prestigiosa, daquela oportunidade no exterior, de projeto para edital, de mão de obra barata (ooops, alunos de IC) etc etc...e para isso, longas jornadas de trabalho, de 12 ou mais horas por dia, e fins de semana, feriados etc são necessários e então voltamos ao significado inicial de rato de laboratório que você pensou.... tudo isso para: veja o bônus, mas não esqueça do tópico 9 e 10! Leia: pós graduação e depressão!
  9. Mobilidade: você vai precisar mudar de cidade, estado, país até, e não uma, nem duas, talvez três vezes, caso você queira ter sucesso na vida como pesquisador. E isso causa impactos nas suas amizades, vida amorosa, vida familiar etc..
  10. A cultura da academia é bastante tóxica, focada em Ego (repare o uso intenso da primeira pessoal singular ao ver um doutorando falar: na minha tese, eu provei isso e aquilo e com meu orientador blablalba), competitividade extrema, prestígio e amor à causa, o que talvez favoreça certos tipos psicológicos peculiares: psicopatas, sociopatas, excêntricos, teóricos da conspiração, agressivos, "donos da verdade", são muito comuns na academia! Verdade seja dita, em ambientes corporativos, especialmente os mais competitivos, você também encontra esses tipos psicológicos, porém, você consegue escapar deles trocando de emprego.....na academia, é mais difícil, até mesmo impossível, uma vez que é um mundo muito pequeno e de poucas alternativas! Essa cultura também favorece o voto de pobreza e a esmola do qual falamos no tópico 7, ao fazer com que a busca por prestígio, o amor a causa e a disputa de egos sejam os principais motivadores da carreira, em detrimento de uma remuneração justa e maior.

Sugerimos ver os seguintes links sobre a cultura acadêmica, uma em inglês (a mais completa) e outras duas em português sobre grandes dramas não discutidos pela academia:

Bônus: A maior parte dos concursos para área de pesquisador/professor sofre com falta de transparência, seja em instituições não universitárias, seja nas universidades, mas principalmente nestas, é viciada.... já tem 1 ou 2 candidatos certos pra vaga que abriu...Daí vc passou 10 ou mais anos de uma formação sofrida e votos de pobreza e.... Quem mexeu no meu queijo? Cadê o queijo que meu ratinho de laboratório estava correndo tanto para pegar? correndo tanto para sofrer mais ainda com a falta de ética e transparência!! Não acredita? Veja.

 

Entretanto, ainda assim, novos pesquisadores são formados no Brasil, como pontua Suzana Houzel, apesar dos pesares, tem muita gente que gosta e tem vocação para ser pesquisador! E que bom que seja assim e que inúmeros bioquímicos estejam se destacando nessa área!  Entretanto, ninguém gosta de discutir os 10 tópicos e o bônus acima, deixando vários alunos e ex-alunos de bioquímica sem a devida orientação. O resultado é que muitos fazem mestrado e doutorado não por que querem ser pesquisadores científicos, mas pela falta de opção e de devida orientação, o que causa  inúmeras frustrações!  Está na hora de tocarmos na ferida, sem medo da patrulha ideológica! Ao contrário, isso apenas irá favorecer o alvorecer de pesquisadores mais conscientes dos problemas de sua classe, sem tratá-los como algo normal, e também favorecer a entrada consciente dos bioquímicos como pesquisador científico ou como bioquímico em indústrias e empresas. O que desejamos é o bioquímico plural, o bioquímico tanto na indústria quanto na academia!

 

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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