O bioquímico no diagnóstico molecular e bioquímica clínica
No editorial de hoje, o Bruno Lima aborda uma questão recorrente: o Bioquímico pode ou não atuar dentro da área de Análises Clínicas? Confere aí!
NOTA DO EDITOR: LER EXPERIÊNCIAS DE BACHARÉIS EM BIOQUÍMICA NA ÁREA DE BIOQUÍMICA CLÍNICA E DIAGNÓSTICO MOLECULAR AQUI: O Bioquímico e as análises clínicas.
Um dos principais temas do último encontro entre coordenadores de curso de bioquímica e o CRQ, na VI Jornada acadêmica de bioquímica da UFSJ em outubro de 2015, foi a atuação em análises clínicas. Embora os coordenadores de curso costumem dizer que o bioquímico não pode atuar nas análises clínicas, o presidente do CRQ-MG, Wagner Pedersoli, mostrou claramente essa possibilidade, de acordo com as legislações referentes aos profissionais da química, citando inclusive, os próprios bacharéis em química que já atuam nessa área.
Entretanto, a atuação do bacharel em bioquímica dentro das análises clínicas, toxicologia e diagnóstico molecular não deve ser visto como uma tentativa de replicar um profissional de saúde, tal qual o biomédico ou o farmacêutico, mas sim com os olhos de um profissional da química: pesquisa e desenvolvimento de reagentes e novos métodos de diagnóstico, produção de reagentes e kits de diagnóstico, realização de análises bioquímicas e toxicológicas, realização de análises biomoleculares, imunológicas e de diagnóstico molecular, controle e garantia de qualidade aplicado a reagentes, equipamentos e kits de diagnóstico, venda e representação técnica de reagentes, consumíveis e equipamentos, gestão de laboratórios e mesmo transferência de conhecimento e tecnologias e gestão da inovação.
O que existe de tão diferente daquilo que os bacharéis em bioquímica já fazem em outras áreas? Nada! O que existe é uma falsa percepção de que bioquímico deve se limitar a pesquisa científica e a biotecnologia, quando na verdade, ser profissional da química é mais amplo que isso. É também fazer a diferença em ramos tradicionais da bioquímica, como a bioquímica clínica, a toxicologia, a farmacologia e a bioquímica de alimentos. E fazer a diferença em ramos novos, como biofármacos e diagnóstico molecular. Isso tudo vai muito além de fazer a diferença na bancada de pesquisa: engloba fazer a diferença na produção, no controle e garantia de qualidade, na gestão e nos escritórios de inovações, vendas, projetos etc… Temos que entender a bioquímica clínica, o diagnóstico molecular a a toxicologia como Bioquímica aplicada! Pois bem, tendo dito isso, quais seriam as razões para atuação em bioquímica clínica, diagnóstico molecular e toxicologia?
1) Razão técnica:
Se pegarmos os principais conteúdos relacionados a essas 3 disciplinas, veremos muito aproveitamento de conhecimentos aprendidos em disciplinas como química analítica, bioquímica analítica, biologia molecular, química fisiológica, fisiologia, enzimologia. Portanto, bioquímica clínica, diagnóstico molecular e toxicologia seriam a aplicação de conhecimentos básicos aprendidos na graduação, uma continuidade lógica do aprendizado relacionado a bioquímica da saúde.
Nesse sentido, o uso de técnicas avançadas como Luminex, Espectrometria de massas, NGS e Real Time PCR, enzimologia, citometria de fluxo, cromatografias, bioinformática e análise de dados, automação, calibração e validação de equipamentos, responsabilidade técnica por equipamentos, venda e assessoria científica de equipamentos, controle de qualidade, desenvolvimento e produção de kits de diagnóstico seriam atividades inerentes ao bacharel em bioquímica.
Portanto, é preciso desmistificar a atividade em bioquímica clínica, diagnóstico molecular e toxicologia, como algo unicamente relacionado a saúde, como se não houvesse fortíssimo componente de química e bioquímica tecnológicas envolvidas. O enfoque dessas disciplinas, ao invés de se dar em saúde, deveria ser nas tecnologias, o que diferenciaria o bioquímico do biomédico e do farmacêutico! Bioquímica clínica, diagnóstico molecular e toxicologia são apenas continuidades lógicas e aplicadas de conhecimentos básicos do bioquímico, tanto em química, quanto em estatística, bioquímica e biologia molecular. A visão do profissional da química que somos não é concorrente a visão do profissional de saúde, mas sim complementar!
2) Razão legal:
No que se refere a legislações que abordam a atuação do profissional da química, entre eles o bacharel em bioquímica, em análises clínicas é necessário mencionar-se, em ordem cronológica: o decreto nº 20.377/31; os art. 334 e 325 da CLT de 1943, a RN36 do CFQ, o decreto nº 85.877/81 e a RN 224.
O decreto nº 20.377/31 (sobre a profissão farmacêutica) e o art. 2º e os artigos 334 e 325 da CLT de 1943 (sobre os profissionais da química), quando conjugados, afirmam que a atuação nas “analises reclamadas pela clinica medica”, na bromatologia, na química biológica e legal não são de exclusividade do farmacêutico e que estas competem também aos profissionais da química.
Por sua vez, a RN36 do CFQ, o decreto-lei 85.877/81 (sobre os profissionais da química, inclusive nós bioquímicos) e a RN224 reforçam a atuação do profissional da química (ou seja, também nós bioquímicos) na área clínica, ao permitir a atuação em análise química e físico-química, químico-biológica, bromatológica, toxicológica e legal, padronização e controle de qualidade em "órgãos ou laboratórios de análises clínicas ou de saúde pública ou a seus departamentos especializados, no âmbito de suas atribuições''
A legislação dos profissionais da química cita a atuação nessas 3 áreas em pelo menos 2 momentos:No decreto-lei de 1981 (e portanto, tem força de lei!), no item 4a em que diz: “Compete ainda aos profissionais de química, embora não privativo ou exclusivo, o exercício das atividades mencionadas no artigo primeiro, quando referentes a: a) laboratórios de análises que realizem exames de caráter químico, físico-químico, químico-biológico, químico-toxicológico, sanitário e químico legal; b)órgãos ou laboratórios de análises clínicas ou de saúde pública ou a seus departamentos especializados, no ambito de suas atribuições;” (Veja o texto completo aqui).
E em um segundo momento, em resolução normativa 224 de 2009 em que se diz: “Art. 1º - São de competência dos Profissionais da Química, a execução, entre outras, das seguintes atividades: a) a fabricação de insumos com destinação farmacêutica para uso humano e/ou veterinário, para produtos dietéticos e para cosméticos com ou sem ação terapêutica; b) a fabricação de produtos biológicos e químico-oficinais; c) as análises reclamadas pela clínica médica; “
Assim sendo, o Bioquímico, por ser profissional da química tem sim o direito de atuar nas análises clínicas, tendo inclusive a possibilidade de ser o responsável técnico pelos laboratórios e laudos emitidos (dentro das atribuições conferidas por ser profissional da química vinculado ao CRQ), assim como químicos, farmacêuticos, biomédicos e biólogos.
3) Razão internacional:
A profissão de Bioquímico no Chile, Argentina, Portugal e outros países contempla a atuação em bioquímica clínica em seus currículos. Veja:
Chile e Argentina:
Espanha e Portugal
Em especial, em Portugal, a ANBIOQ, Associação Nacional de Bioquímicos de Portugal, possui uma divisão específica para Bioquímica Clínica.
4) Razão nacional:
Temos observado, em especial na região sul do país, que alguns farmacêuticos formados pelo currículo anterior a reforma de 2002 se denominam bioquímicos e não farmacêuticos-bioquímicos…. Uma das razões é que eles consideram o antigo curso de Farmácia e Bioquímica como um curso dois em um, no qual se o profissional não está relacionado a farmácias e indústria farmacêutica, ele é bioquímico… Dessa forma, acredito que seja por bem unificar os dois tipos de bioquímicos, o derivado dos antigos cursos de farmácia e bioquímica, que se consideram bioquímicos e não farmacêuticos, conosco, bacharéis em bioquímica. Isso cria uma nova situação: paz e união, onde nenhum dos lados precisaria ser impor sobre outro para ver quem é bioquímico, pois afinal, todos somos bioquímicos! E novos espaços de atuação e mesmo novos bacharelados em bioquímica poderiam surgir. A origem do bacharelado em bioquímica está na química, na biologia e na farmácia (basta ver a quantidade de professores farmacêuticos que temos), não podemos renegá-las e nem ir contra elas, mas simplesmente cumprir nosso destino manifesto: a união para que a bioquímica possa caminhar junta.
5) Razão geográfica:
Vagas relacionadas a bioquímica clínica e toxicologia ocorrem em todo o território nacional. O mesmo não se pode dizer em relação a vagas relacionadas a biotecnologia, bastante centradas no sul-sudeste, em especial, estado de São Paulo. Por outro lado, a área de diagnóstico molecular se apresenta como uma nova fronteira de desenvolvimento de empregos, uma área emergente onde o bioquímico teria menos concorrência com biomédicos e farmacêuticos, que tradicionalmente dominam o mercado de análises clínicas. De um lado, uma área consolidada e presente em todo o território nacional, de outro uma área emergente.
6) Razão de Empregabilidade:
Não é apenas a análise em si que está em jogo aqui, mas toda uma série de carreiras que dão suporte a bioquímica clínica e diagnóstico molecular: assessoria científica, vendas, marketing e representação técnica, pesquisa e desenvolvimento, controle e garantia de qualidade, produção, gerenciamento de laboratórios etc… Muita gente se esquece que existe um enorme mercado por trás da análise em si.
Portanto, existem inúmeras razões para os bacharéis em bioquímica atuarem na bioquímica clínica, toxicologia e diagnóstico molecular, exercendo o seu papel de profissional da química e da biotecnologia. Devemos entender essas áreas como áreas de bioquímica aplicada e não termos receios de nos aproximarmos de uma de nossas origens (a área clínica e farmacêutica, juntamente com a biologia e a química, são nossas origens). Devemos deixar de ver o eterno Bioquímica X Análises clinicas como um confronto para vermos como uma oportunidade, tal qual nossos colegas chilenos, portugueses e espanhóis observaram. Está na hora de assumirmos que somos mais que profissionais da biotecnologia.. Nós somos profissionais da biotecnologia e da química.
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