Empreendedorismo no diagnóstico molecular veterinário e humano
O Antonio Zoboli, Bioquímico pela UFV (2006-2010), possui graduação em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa, Mestrado em Ciências - ênfase em Biologia Celular e Molecular pelo Centro de Pesquisas René Rachou - FIOCRUZ/MG (2012) e foi presidente da Tecnomol, Empresa Junior do curso de Bioquímica da UFV.
- (Bioquímica Brasil) Antonio, você poderia nos contar um pouco mais sobre sua trajetória científica? Que estágios de iniciação científica você fez, como foi seu mestrado?
(Antonio) No primeiro período do curso, em 2006, já pude desfazer a confusão entre Bioquímica e Farmácia que eu tinha (bastante comum diga-se) e fui me apaixonando cada vez mais pelo curso à medida que ia cursando as disciplinas. Foi justamente no meu primeiro período da faculdade, na disciplina de "Áreas de atuação do bacharel em bioquímica", que assisti as palestras das Profs Juliana Fietto e Márcia Rogéria. Após a apresentação das mesmas, fui diretamente conversar com a Profa Juliana e pedir iniciação científica para trabalhar com ela. Fiquei os 4 anos de UFV trabalhando junto com a profa Juliana, no Laboratório de Infectologia Celular e Molecular. Foi lá que aprendi praticamente toda a prática que tenho de biologia molecular com foco em diagnóstico, no nosso caso, diagnóstico de leishmaniose. Foi essa linha de pesquisa que me rendeu a patente que tenho juntamente com o grupo de pesquisa. Fui a diversos congressos de bioquímica e de protozoologia, e em um de bioinformática. Por fim, defendi minha Monografia de final de curso (também chamada em alguns lugares de TCC) na área de bioinformática e biologia molecular aplicada ao diagnóstico. Mas, foi durante um período de férias de fim de ano da UFV que consegui um estágio em um laboratório de Análises Clínicas na minha cidade. Lá, pude aprender muita coisa que o curso de Bioquímica não me ensinou, mas garanto que me deu muita base para aprender todas elas. (Por exemplo, não temos Hematologia, mas a parte de Histologia do sistema sanguíneo foi a base para eu aprender hematologia).
Mas no geral, já tinha conhecimento suficiente para realizar este estágio. Todos os exames bioquímicos de rotina eu já tinha ouvido falar, a parte de microbiologia como cultura e antibiogramas eu já tinha aprendido. Portanto foi bastante proveitosa e tranquila minha passagem pela análise clinica, recebi elogios dos meus chefes e acredito não ter deixado nada a desejar.
Logo após me graduar, em 2010, ingressei no mestrado, na área de biologia celular e molecular, no Instituto Renè Rachou da FIOCRUZ em Belo Horizonte, trabalhando com mecanismos de resistência a drogas. Na época, me interessava o fato de ser pesquisador e seguir a carreira acadêmica, além de ampliar minhas chances de entrar no mercado de trabalho como professor em universidades particulares. Entretanto, foi exatamente durante o meu período de mestrado que as coisas mudaram. Percebi que o ambiente acadêmico não era realmente aquilo que eu queria e tive uma série de decepções. Foi então que comecei a procurar alternativas de emprego, todas elas sem sucesso. Fiz inscrição em alguns programas de Trainee que aceitavam bioquímicos na época (que não eram muitos), e fui selecionado para as etapas presenciais para 2 deles, a Ambev e a Phillip Morris. Em ambos cheguei até a etapa das entrevistas individuais.
- Poderia nos contar um pouco mais sobre a estação de analises clinicas veterinários que você montou em uma clínica veterinária?
Por eu já ter feito estágios na área de diagnóstico clínico, tanto na universidade, quanto em Laboratório Clínico, pude auxiliar uma clínica veterinária a montar uma estação de análises clínicas veterinárias, com as técnicas que eles mais precisavam. Eu pude acompanhar todo o processo desde a clínica médica, a hipótese diagnóstica clínica e a confirmação do mesmo pelos exames laboratoriais que realizávamos, o que foi uma experiência única, onde pude verificar as semelhanças e diferenças entre as área clínicas humana e animal e principalmente por me permitir perder o medo de encarar novas áreas relacionadas a minha profissão.
- Como você aplicou os conhecimentos da Bioquímica nesta estação de análises clínicas veterinárias ? Que técnicas você mais utilizou?
Os conhecimentos de bioquímica aplicados na área foram diversos. Uma vez que se atua na análise clínica, por se tratar de material biológico proveniente de um sistema complexo, você tem que prestar atenção em diversos pontos ao mesmo tempo. Saber como funcionam membranas biológicas são extremamente importantes, uma vez que você pode escolher um melhor corante de coloração de lâminas. Saber muito a respeito de carga elétrica dos compostos como proteínas e lipídeos, para identificar as estruturas corretamente em microscópios. Regiões celulares de diferentes pH's que também se coram de formas diferentes. Saber a respeito de estabilidade de moléculas, não só para ter ideia de degradação da matéria orgânica que se está trabalhando, mas também pra saber avaliar a qualidade de um Kit de diagnóstico ou de um corante de lâmina. Além de todo um contexto de coisas mais rotineiras, como dosagem de Glicemia por técnica de açúcar redutor, que é usado amplamente, todos os testes bioquímicos são feitos praticamente em espectrofotômetro por métodos colorimétricos. Saber identificar que uma alta concentração de lipídeos no soro sanguíneo interfere em diversas análises pela interação lipídica com os componentes do kit ou na opacidade do mesmo no espectro. Tudo isso são conhecimentos de bioquímica que precisam ser aplicados na rotina de trabalho.
Certamente essas são as técnicas básicas de um laboratório de análise clinica, entretanto outras técnicas que aprendemos também são amplamente aplicadas nesse ramo, como ELISA, Western Blotting, PCR e Citometria de Fluxo. O ELISA por exemplo é utilizado para a verificação da presença de IgG e IgM em pacientes imunizados contra HepB, o Western Blotting é a terceira técnica utilizada no diagnóstico de HIV humano, considerado como Padrão Ouro, a PCR pode ser aplicada de diversas formas como na detecção de matéria orgânica inadequada em ração animal e na dosagem de carga viral de pacientes infectados com HepC e HIV, e a citometria para quantificar as células CD4 e CD8 também de pacientes HIV positivos. Esses exemplos humanos também podem ser aplicados na área animal para o diagnóstico preciso de Erliquiose canina, Leishmaniose Visceral humana e canina, babesiose, entre outros.
- Como era sua atuação perante o CRQ? Você era o Responsável técnico? A legislação do CRQ nos permite atuar nesta área?
Eu não era o Responsável Técnico (RT) do laboratório que trabalhei, apenas realizava os exames, uma vez que para a área veterinária, o médico veterinário é o RT e na área médica, o médico ou o farmacêutico. Quanto a permissão para nós trabalharmos nessa área, li uma resolução do CFQ permitindo os profissionais da química de atuarem na área de análise clínica e toxicológica, porém somente na realização de exames bioquímicos. Concordo nesse ponto com o CRQ, pois para a realização de exames parasitológicos, por exemplo, necessita-se de muitos outros conhecimentos e práticas que não aprendemos durante o curso. Mas também acredito que nada como uma especialização para nos dar aval acerca dessa área também.
(Nota do editor) A legislação ao qual ele se refere é:
Decreto Nº 85.877, de 07 de Abril de 1981, artigos 1 e 4.
- Sabemos que você foi presidente da Tecnomol, Empresa Junior da Bioquímica da UFV, qual a importância dela em sua vida profissional ? Você pensa que alguma alteração na grade de disciplinas, poderia favorecer a atuação do Bioquímico na área do bio-empreendedorismo?
Bem, com a Tecnomol aprendi muita coisa acerca de dinâmica de funcionamento de uma empresa. Saber lidar com pessoas e problemas foi a parte que considero primordial na minha passagem pela Tecnomol, principalmente por que avalio a minha gestão dentro da empresa como uma etapa de reestruturação da mesma, visando as próximas gerações. Além disso, consegui enxergar que se pode sim criar empresas de biotecnologia e que o campo de atuação existe, ou seja, perder um pouco o medo de uma empresa não dar certo por falta de mercado consumidor. Isso tudo me incentivou a entrar para o campo do empreendedorismo e pretendo abrir uma empresa na área de diagnóstico molecular veterinário ou trabalhar em uma.
Não acho que modificações na grade curricular do curso seja prudente, afinal esse não é o foco do curso. Acredito que aquele aluno que se mostra mais proativo ao empreendedorismo tem a possibilidade de fazer as disciplinas que são oferecidas nos cursos de Administração e Economia. Agora, criar e ofertar matérias optativas exclusivas para o BIO-empreendedorismo poderia auxiliar bastante aqueles que tenham interesse na área.
Acredito que a principal dificuldade de se abrir uma empresa no Brasil hoje em dia, independente do tipo de empresa, é a carga tributária. Além disso, toda empresa classificada como área de saúde tem uma legislação específica para ser criada. Portanto, é necessário que se conheça bem a legislação para não ter futuros problemas e acredito que uma disciplina optativa nesse sentido seria interessante.
- Que habilidades não técnicas um bioquímico deve desenvolver para ser um bom empreendedor em biotecnologia, de acordo com sua experiência?
Acho de extrema importância a capacitação empresarial. Não é fácil para uma pessoa proveniente da área biotecnológica saber de impostos, taxas, documentos e tantos outros assuntos acerca da vida empresarial. O SENAI disponibiliza vários cursos nessa área administrativa que são muito bons para quem quer criar habilidades empreendedoras, seja em qualquer área. Mas acima de tudo, acredito que uma boa pesquisa de mercado é fundamental na área biotecnológica. É fato que pra o sucesso de uma empresa é necessário saber se o produto ou serviço que está oferecendo é necessário no mercado e se já não existe uma grande empresa do ramo atuando na região que sua empresa também vai atuar. Acho que todas essas habilidades de mercado são importantes para se tornar um bom empreendedor.
- Que conselho daria aos futuros Bioquímicos?
Conselhos são realmente muito difíceis de dar, mas se eu fosse colaborar com algumas palavras hoje seria: Sejam mutáveis. Não é porque você gosta de uma coisa hoje que vai continuar gostando amanhã. Não se restrinjam a uma área apenas, expandam seus horizontes, apliquem a bioquímica em áreas que não são comuns aos nossos olhos. Uma vantagem nós temos, nós somos muito bem preparados pelas nossas universidades para atuar em diversas áreas, seja ela acadêmica, empresarial, microbiológica, tratamento de resíduos, produção de insumos bioquímicos, fármacos, nanotecnologia, veterinária, computacional. Somos capazes de estabelecer conexões da bioquímica com todas essas áreas. Portanto, não tenham medo de mudar. Mudar faz parte do ser humano, e a cada mudança um novo aprendizado.
Compartilhe este artigo:
[ssba-buttons]
0 comentários