Produção e Processos Bioindustriais: Produção de Enzimas na BIOMM

por | nov 19, 2014

O Rafael Cunha, Bioquímico pela UFV, turma de 2005, Mestre em Biotecnologia Industrial (USP-Lorena) e atualmente doutorando no mesmo programa, foi bolsista RHAE na BIOMM em Montes Claros, entre o seu mestrado e o doutorado.
- (Bioquímica Brasil) Rafael, você poderia nos contar um pouco mais sobre sua trajetória científica? Que estágios de iniciação científica você fez, sua pesquisa no mestrado e agora no doutorado ?
(Rafael) A primeira iniciação científica que fiz foi no terceiro período da graduação, em biologia celular com o Prof. Dr. Eduardo Serrão que trabalha com entomologia, uma área bem diferente da qual segui, mas que serviu como primeiro contato com algumas metodologias comuns de laboratório. Posteriormente, ao cursar a disciplina de microbiologia geral, percebi que tinha maior afinidade e interesse pelo assunto. Então conversei com alguns professores para saber com o que trabalhavam, e comecei a estagiar no laboratório de Fisiologia de Micro-organismos da Prof. Dra. Flávia Passos, do Departamento de Microbiologia, do quinto período até o final da graduação. Durante a iniciação científica e para a monografia trabalhei com processos fermentativos em biorreatores de bancada para obtenção de proteínas heterólogas em leveduras, estudando os modos de operação contínuo e batelada alimentada. Devido ao interesse nesta área, procurei fazer as disciplinas mais voltadas para a microbiologia e aquelas oferecidas pelo departamento de engenharia de alimentos (Processos Bioquímicos Industriais; Cinética de Processos Bioquímicos), que me deram mais fundamentos para seguir nesta área. Ao final da graduação fui a um evento científico (Semana de Biotecnologia Industrial) da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), onde apresentei o trabalho realizado na UFV e tive a oportunidade de conhecer melhor os trabalhos realizados na EEL. Devido à vocação da universidade em processos fermentativos a partir de biomassa lignocelulósica, fiquei interessado em desenvolver e aprender mais sobre esta área, aliado também às disciplinas oferecidas na pós-graduação. Fui então aprovado no mestrado da EEL-USP e comecei a trabalhar sob a orientação da Prof. Dra. Inês Roberto, que até então trabalhava “apenas” com a fermentação de pentoses. Iniciamos então as pesquisas para a utilização da fração celulósica, e na minha dissertação de mestrado trabalhei com a seleção de uma levedura termotolerante para aplicação em processo de sacarificação e fermentação simultânea para a produção de etanol. A partir da dissertação muitas ideias surgiram, e hoje trabalho com o processo como um todo, estudando pontos críticos nos pré-tratamentos químicos, hidrólise enzimática e fermentação, buscando o aproveitamento integral da biomassa lignocelulósica, mais próximo do conceito de biorrefinaria.
- Você teve uma oportunidade numa indústria como a BIOMM, como bolsista Rhae. Como os conhecimentos adquiridos no curso de bioquímica eram aplicados na BIOMM?
O tempo que passei na BIOMM foi muito importante para que eu pudesse ver que estamos sim preparados para desenvolver pesquisas em indústrias. Lá o trabalho também mudou um pouco, pois a minha responsabilidade era conduzir as pesquisas e melhorar o rendimento e produtividade da produção de celulases em reatores. Tive que aprender a trabalhar com fungos filamentosos, que tem lá as suas particularidades. O acompanhamento da cinética do processo era todo baseado em ensaios de atividade enzimática, o que requer conhecimento destas metodologias e também analisar criticamente os resultados ou possíveis melhorias. Além disso, a aplicação e a análise da metodologia de planejamento experimental foram muito bem vistas no desenvolvimento de pesquisas paralelas realizadas em frascos Erlenmeyer para o estabelecimento de melhores condições, que posteriormente aplicávamos no reator. O conhecimento que adquiri no processo em batelada alimentada na UFV foi também um diferencial que pude aplicar na BIOMM.
 - No que difere o ambiente de trabalho numa indústria para o ambiente de trabalho acadêmico?
Como eu trabalhava diretamente com pesquisa e desenvolvimento, o meu trabalho em laboratório não era muito diferente do que eu já conhecia na iniciação científica e no mestrado. Entretanto, lá tínhamos também que suprir a demanda de alguns parceiros que utilizavam as misturas enzimáticas que produzíamos, então alguns prazos deviam ser cumpridos à parte do que era produzido como pesquisa. A maior diferença que percebi foi nas reuniões que participei com os diretores da empresa, mais voltadas para a realidade financeira e estratégia de negócios, em que nos era passado como andavam os investimentos, parcerias e necessidades para uma empresa de biotecnologia em crescimento e com grandes projetos de expansão. Esse ambiente de “negócios” é bem diferente da academia, e a única forma de aprender é mesmo vivenciando o cotidiano de uma empresa. Vale a pena ressaltar também o ganho em possuir um time multi-disciplinar (como biólogos, farmacêuticos e engenheiros químicos) com o mesmo objetivo. Algumas pessoas com quem tive contato trabalharam na antiga BIOBRÁS (que deu origem à BIOMM) e possuíam muita experiência em indústria de base biotecnológica, mas se interessavam muito também pelo o que trazemos de “novo” da área acadêmica. Outra coisa notável, especialmente para aqueles que passam horas extras na pesquisa da pós-graduação, foi ter um horário fixo de trabalho, para entrar e para sair. Isso era muito bom.
- Que características você acha que o bioquímico deve desenvolver para trabalhar em indústrias?
Creio que o conhecimento científico que adquirimos ao longo da graduação é muito satisfatório, mas outras capacidades fora do ambiente acadêmico devem ser desenvolvidas, como saber trabalhar em grupo, respeitando a opinião de quem tem mais experiência, mas sabendo como colocar o seu ponto de vista de forma educada e com fundamentos. Ter como foco a melhoria de produtividade do processo deve ser o objetivo a ser perseguido, pois é o que a indústria quer: mais em menos tempo.
- O que te motivou a retornar à academia para o doutorado?
Como foi citado, o período que passei na BIOMM eu era pago pelo CNPq, como bolsista do programa RHAE (pesquisador na empresa), e cumpri minhas atividades até o final do prazo do projeto. No último mês que estava lá foi oferecida uma proposta de contratação para trabalhar no “carro-chefe” da empresa (produção de insulina recombinante) uma vez que o processo também requeria melhorias, já que havíamos conseguido um avanço importante no trabalho de produção de celulases. Os desafios seriam outros, mas a aplicação dos conhecimentos de cinética de bioprocessos poderiam dar resultados ainda melhores. Entretanto, além de motivos pessoais (casamento), preferi voltar à academia para aumentar as possibilidades de escolhas para a minha carreira, já que tinha o convite da minha orientadora para retornar e continuar os trabalhos que realizei no mestrado. Não dá para negar que a aprovação em um concurso público como doutor nos dá mais segurança financeira em comparação ao setor privado, mesmo que isto seja mais tardio. Devo admitir também que deixar de lado um emprego com carteira assinada e benefícios (que não existem na pós-graduação) não foi nada fácil... Ainda assim, a experiência foi muito válida, me encorajou a ver que estou no caminho certo para fazer o que gosto, e que existem boas possibilidades de trabalho na indústria privada como pesquisador.
- Você pensa que alguma alteração na grade de disciplinas poderia favorecer a atuação do Bioquímico na indústria?
A grade curricular que cursei na UFV (2005 a 2010) era um pouco diferente da atual (principalmente porque trocaram as físicas e acrescentaram algumas disciplinas específicas para a Bioquímica). Uma mudança positiva seria a possibilidade do graduando escolher uma ênfase que deseja seguir, uma vez que diferentes caminhos podem ser trilhados. Eu busquei optativas mais próximas da Engenharia Bioquímica, praticamente por contra própria. Desde que cursei a disciplina “ Processos Bioquímicos Industriais”, acho que deveria ser obrigatória ao curso, para mostrar possibilidades diferentes na carreira profissional, além daquelas mais focadas em biologia molecular.
- Com relação a sua experiência, que conselho daria aos futuros Bioquímicos?
Busquem definir o campo de pesquisa/empresa que desejam seguir, vale a pena ter experiência em diferentes áreas até decidir qual é a melhor para você. Conhecer biologia molecular é interessante, mas as possibilidades vão muito além disto. Estejam atentos às possibilidades de estágio em empresas, que cada vez mais vêm pedindo o profissional formado em bioquímica. A aceitação de bioquímicos nos mais diversos programas de pós-graduação em biotecnologia/bioquímica é muito grande, e são sim uma boa oportunidade para obter sucesso na carreira. E, por fim, participem de outras atividades na universidade, como empresa júnior, esportes ou qualquer outra atividade capaz de desenvolver o seu lado “humano”, saia um pouco da bancada!

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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