Bioquímico na indústria: Produção de vacinas
Aline Abrantes é Bacharel em Bioquímica pela UFV e mestre em Ciências (Bioquímica) pela USP e atualmente Tecnologista de produção no setor de vacinas aeróbicas do Instituto Butantan.
Como você decidiu ingressar no curso? Você já sabia que o bacharel em bioquímica era um profissional da química com várias áreas de atuação e que você teria que estudar muita química?
Na época não sabia o que queria para minha vida profissional. Sabia apenas que seria algo na área de ciências exatas ou biológicas. Fiz a escolha por eliminação. Consultei a grade de disciplinas dos cursos que me interessavam da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e me encantei pela grade da Bioquímica. Foram algumas disciplinas e seminários ao longo do curso que me mostraram a ampla possibilidade de atuação do Bioquímico. Sim, ao consultar a grade do curso percebi que teria que estudar bastante química e esse foi um dos pontos que me motivou a escolher o curso.
Nos conte como foi sua trajetória acadêmica. O que mais fez os seus olhos brilharem e quais as dificuldades ao longo da graduação?
Ingressei na turma de 2008 e me formei em 2014. Nesse período, cursei um ano acadêmico na Universidad de Córdoba (UCO) na Espanha. Estive envolvida com projetos de pesquisa desde o segundo ano da graduação, incluindo o Laboratório de Biotecnologia Molecular – UFV, CTBE – CNPEM, Laboratório de Sistemas Moleculares de Defensa Frente al Estrés Oxidativo – UCO e Canvax Biotech (Córdoba). Gostava de estar no laboratório aprendendo na prática com os experimentos, apesar de muitas vezes desanimar quando as coisas não saíam como esperávamos. No curso, o que mais faziam meus olhos brilharem eram as disciplinas que abordavam as biomoléculas, metabolismo, biologia molecular e celular. Além disso, as disciplinas práticas de enzimologia e biomol foram bastante motivadoras. Ainda hoje me encontro maravilhada ao pensar em como tudo funciona dentro das nossas células. Com relação às disciplinas, tive dificuldades em físico-química e física.
Nos conte agora a sua trajetória profissional até aqui.
Depois da graduação, cursei o mestrado em Ciências (Bioquímica) na USP, defendendo a dissertação em 2017. Decidi que não queria seguir a carreira acadêmica. Busquei oportunidades de emprego durante um ano, mas consegui poucas entrevistas, sem sucesso. Nesse meio tempo, participei de um projeto de parceria entre a USP e uma empresa de matéria prima para cosméticos e iniciei um trabalho também como freelancer na elaboração de materiais didáticos. Ainda em 2017, participei de uma semana de curso no Instituto Butantan sobre a produção de soros e vacinas. Fui informada sobre o Programa de Aprimoramento Profissional (PAP) promovido pelo Governo do Estado no Instituto Butantan. Realizei a prova e entrevista e consegui ingressar no PAP em 2018. Esse programa foi a oportunidade de ouro que me abriu as portas para estar empregada há um ano pela Fundação Butantan. É importante mencionar que ter feito o mestrado contribuiu bastante para o meu desenvolvimento no PAP e no meu trabalho hoje.
Você poderia fazer uma breve descrição da sua rotina (dia a dia) de trabalho? No que difere o ambiente de trabalho nesta área do ambiente de trabalho acadêmico (universitário)?
Trabalho na área de produção do Instituto Butantan, na fábrica responsável pela produção dos componentes vacinais para prevenção das doenças difteria e coqueluche. Além de vacinas, também são produzidos antígenos utilizados na imunização de cavalos para produção de soros, e também adjuvantes. No dia-a-dia, me dedico bastante às documentações, como elaboração de procedimentos operacionais padrão, preenchimento de formulários para registro dos procedimentos, treinamentos, avaliações, também auxilio nos testes para controle em processo, desenvolvimento etc.
O ambiente de trabalho é bastante diferente, pois cumprimos as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Todos são treinados e avaliados para realizar os procedimentos. Todas as nossas atividades possuem registros. Tudo deve ser bastante controlado – as pessoas, áreas produtivas, equipamentos, processos, materiais e reagentes, por exemplo.
Como você aplica os conhecimentos adquiridos no curso no seu dia a dia de trabalho?
Nós bioquímicos conseguimos ter uma visão molecular dos processos de produção e possuímos em geral uma bagagem prática acima da média. Os componentes vacinais com os quais trabalhamos são proteínas e células bacterianas inativadas. Ter essa experiência auxilia muito na execução dos procedimentos, no entendimento dos processos e das condições de operação, na solução de problemas que surgem e em como esses processos poderiam ser otimizados.
No que difere o seu atual cargo como um CLT de um bolsista acadêmico em termos de responsabilidades, atribuições, direitos e deveres?
Como CLT, as responsabilidades são muito maiores. As tarefas também são muito mais amplas comparado à minha experiência na academia. Infelizmente os bolsistas não têm sido valorizados. É muito bom estar coberto pelos direitos trabalhistas e ter direito a férias, adicional de insalubridade, 13º salário, além dos benefícios como planos de saúde e odontológico. A diferença mais impactante no começo foi o horário fixo, pois no mestrado eu acabava trabalhando mais de 8 horas por dia e finais de semana, não descansava a cabeça em casa. Por um lado, perdi a flexibilidade no horário, mas ter um horário para ir embora e se dedicar a outras atividades é bastante positivo.
Como surgiu esta oportunidade de emprego para você? Quais as dificuldades que você sentiu na busca por emprego? Você contou com ajuda de amigos, familiares, recrutadores?
Durante a busca por emprego, senti que apenas o currículo e as entrevistas não eram suficientes para mostrar meu potencial.Desde o primeiro dia no PAP deixei claro que queria trabalhar ali. Me dediquei e me dedico bastante, gosto muito do que faço. Consegui a oportunidade com o apoio de pessoas ligadas à coordenação do curso, da minha orientadora na época e das demais pessoas que trabalham comigo.
Que características técnicas (disciplinas) e humanísticas você acha que o bioquímico deve desenvolver para trabalhar nessa área?
Todas as disciplinas contribuem de alguma forma. De forma mais direta, são importantes as disciplinas de química básica e orgânica, microbiologia, bioquímica de proteínas, imunologia, bioprocessos e disciplinas práticas. Com relação às habilidades, posso destacar a proatividade, disciplina, planejamento, organização, trabalho em equipe, boa comunicação escrita e oral.
Percebe vantagens e/ou desvantagens de se ter a formação superior em Bioquímica para esta atuação profissional?
Pelo fato de cursarmos disciplinas específicas para cada tipo de biomolécula, o que não ocorre de maneira tão profunda com outros cursos concorrentes, como biomedicina e biotecnologia, acredito que nossa grande vantagem é conseguir enxergar os processos visualizando mentalmente seus componentes moleculares. Isso permite a solução de problemas de forma diferenciada. Como desvantagem, sinto falta de alguns conhecimentos que poderiam ter sido introduzidos na forma de disciplinas na graduação, e noções de legislação sanitária, como as BPF.
Com base na sua experiência, que conselhos você daria ao atual aluno de bioquímica?
Se eu pudesse me dar um conselho para a época da graduação, me diria para estudar de forma mais crítica, sem me preocupar tanto com as “decorebas”, dedicar mais ao inglês, não ter vergonha de participar das aulas, questionar, aproveitar mais as oportunidades de convivência e aprendizado com professores, colegas de curso e de de outros cursos/áreas.
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