O Bioquímico nas análises clínicas: bioquímica clínica e controle de qualidade

por | maio 5, 2020

Cassia Aquino, Bacharel em Bioquímica pela UFSJ (2018), com atribuições tecnológicas conferidas pelo CRQ-MG,  já trabalhou com docência, toxicologia e por último com bioquímica clínica, mas é apaixonada por bioquímica industrial e controle de qualidade. Busca sempre se atualizar com cursos extras e adora trabalhar em equipe.

 Como você decidiu ingressar no curso? Você já sabia que o bacharel em bioquímica era um profissional da química com várias áreas de atuação e que você teria que estudar muita química?

 Durante todo o meu ensino médio eu queria ser engenheira. Sempre gostei muito de matemática, química e física. No terceiro ano eu me aprofundei mais na química e decidi que queria fazer engenharia química ou química e procurando universidades perto da minha cidade, descobri a Bioquímica na UFSJ. Eu tinha passado na UEMG mas eu tinha duas opções: fazer química licenciatura a noite ou bioquímica bacharelado na UFSJ. Olhei a grade do curso e me interessei mais pela Bioquímica do que pela química, e aí escolhi. Eu brinco que caí de paraquedas na Bioquímica e me encontrei nela. Quanto às áreas de atuação, eu não sabia que existiam tantas!

Nos conte como foi sua trajetória acadêmica. O que mais fez os seus olhos brilharem  quais as dificuldades ao longo da graduação?

Entrei na UFSJ em março de 2014 e já no segundo semestre eu fui monitora voluntária de cálculo 1. Em agosto comecei a frequentar os Laboratórios de Processos Biotecnológicos e Engenharia de Bioprocessos, apenas observando e auxiliando em projetos de outros alunos. Por dois semestres seguidos, fui monitora de cálculo 1 e em 2015/2016 eu desenvolvi um projeto de iniciação científica sobre o estudo do desenvolvimento de um novo produto á base de pimenta. Sempre gostei da parte de cálculo do curso e das áreas de alimentos e cosméticos. Também  fui monitora de fenômenos de transporte por 2 semestres e finalizei o curso fazendo estágio na Polícia Civil, nas áreas forense e toxicológica.

Ciência sempre me encantou e finalmente entender de verdade ciência e ver na prática o que sabíamos na teoria enchia meus olhos. Minhas maiores dificuldades foram: me adaptar ao ritmo do curso e às metodologias de ensino muito diferentes entre os professores. Confesso que tive mais dificuldade nas disciplinas de biológicas do curso, porque sempre fui das exatas, mas nada que bons estudos e bons amigos não me fizessem entender.

 Nos conte agora a sua trajetória  profissional até aqui?

 Quando terminei meu estágio eu fiquei mais uns meses na Polícia Civil auxiliando a perita responsável pelo laboratório, que estava passando por uma gravidez de risco. De certa forma, eu fui o “braço direito” dela e ensinei os novos estagiários e organizei o laboratório junto com a equipe, sempre com a supervisão dela. Isso me fez entender que eu tinha habilidades voltadas a liderança de equipes e gestão de laboratórios, o que se refletiu em minha experiência mais tarde.

Saí da perícia em março de 2018 e, em abril, fiz a prova para professor substituto de Fenômenos de Transporte 1, 2, Operações Unitárias e Desenho Técnico e passei. Fiquei 5 meses dando aulas para vários colegas, o que foi uma experiência única, maravilhosa e desafiadora. Me vi do outro lado da linha, ficando até tarde preparando aula, prova, exercícios de ponto extra, corrigindo atividades.

Quando minhas aulas acabaram voltei para minha cidade e fiquei 5 meses sem emprego na área. Enquanto não encontrava emprego, trabalhei em um Pet Shop e dei aulas particulares. Foi então que  consegui emprego na minha cidade natal, em abril de 2019, na área de bioquímica clínica.

Você poderia fazer uma breve descrição da sua rotina (dia-a-dia) de trabalho? No que difere o ambiente de trabalho nesta área do ambiente de trabalho acadêmico (universitário)?

Quando entrei no laboratório na área de bioquímica clínica eu passei a atuar e exercer atividades em três setores: Bioquímica, Imunologia Básica e Coagulação Sanguínea. Minha rotina consistia em preparar o material de sangue (centrifugação, separação do tipo de material), fazer a bioquímica em aparelho automatizado (o que consistia em: regular o aparelho, fazer controle de qualidade, conferir exames com a clínica do paciente e repetir quando necessário), fazer exames de coagulação e imunologia básica. Era tudo praticamente ao mesmo tempo. A gestão de tempo tem que ser muito boa porque senão enrola todo o trabalho e só acumula.

Depois exerci cargo de coordenação da área técnica onde fiz um pouco de tudo: fiz coleta sanguínea, auxílio a todos os setores quando necessário, cuidados  referentes ao laboratório de apoio (como separação do material, resolução de pendências, liberação de exames), auxilio na elaboração, revisão e atualização de documentos técnico/normativos junto à ANVISA e organização do controle de qualidade junto ao PNCQ (Programa Nacional de Controle de Qualidade), revisando não conformidades e buscando melhorar junto com a equipe técnica.

O ambiente de trabalho é mais exigente que o acadêmico, comparando com a iniciação científica que fiz. Existem mais cobranças, muita responsabilidade, a gestão de tempo tem que ser bem-feita, o trabalho em equipe é necessário e fundamental.

 Como você aplica os conhecimentos adquiridos no curso no seu dia a dia de trabalho?

No início tive certa dificuldade, pois optei por não fazer em minha grade curricular as disciplinas de bioquímica clínica, hematologia, parasitologia clínica, oferecidas na UFSJ como optativas. Cheguei então no laboratório um pouco crua, mas logo que entrei fiz um curso de laboratório clínico para ter noção do todo e esse curso me ajudou muito, comprovando que existe muito treinamento e aprendizado fora da universidade, para eventualmente preenchermos lacunas de formação. Um bom profissional nunca pode parar de adquirir conhecimentos e experiências.

Mas a bioquímica me deu uma base muito boa de raciocínio, resolução de problemas, conhecimentos químicos (análises, instrumental) e uma visão mais química sobre a biologia humana. Com isso consigo fazer a relação entre os resultados de um paciente e a clínica dele em doenças como esteatose hepática, diabetes, síndrome metabólica, disfunções da tireoide e diversas outras. Quando não consigo, uma pesquisa rápida sobre a doença, medicamento ou o tipo do exame me auxilia a entender.

 No que difere o seu atual cargo como um CLT (ou concursado) de um bolsista academico em termos de responsabilidades, atribuições, direitos e deveres?

Para exercer meu cargo de bioquímica  foi preciso ter registro ativo no CRQ, o que não é exigido de um bolsista. Isso significa conhecer a legislação dos profissionais da química, pagar a anuidade e observar os princípios éticos e de fiscalização determinados pelo Conselho.

Trabalhar como CLT garante diversos direitos não existentes para bolsistas: férias, 13º salário, FGTS, insalubridade. Em termos de responsabilidades, há o pagamento de imposto de renda (quando se aplica) e contribuição para a previdência (sua aposentadoria). Ser um trabalhador CLT exige um cumprimento de carga horária que nem sempre é flexível como a de um bolsista, mas também garante o recebimento (ou direito a folgas) de horas extra trabalhadas.

Como surgiu esta oportunidade de emprego para você? Quais as dificuldades que você sentiu na busca por emprego? Você contou com ajuda de amigos, familiares, recrutadores?

 Esse laboratório existe desde meus 9 anos de idade e sempre esteve instalado em frente a mercearia do meu pai. Quando voltei para minha cidade nem pensei em procurar lá, pois eu não queria trabalhar com análises clínicas. Foi quando um amigo bioquímico, o Pablo Marinho, me disse que ficou sabendo de uma vaga aberta lá. E eu, que passava em frente todo dia, não soube.

Deixei meu currículo e tive uma dificuldade imensa em “convencer” e mostrar para a proprietária do laboratório que eu podia trabalhar lá, perante a lei. Expliquei o que um bioquímico faz e deixei bem claro que eu domino a bioquímica, mas não sabia nada de hematologia, urinálise e parasitologia. Mostrei interesse e encontrei o curso de laboratório clínico para fazer, e aí fui contratada.

Fui a primeira bioquímica a ser contratada lá. A primeira pessoa da área técnica que não era biomédica.

 Que características técnicas (disciplinas) e humanísticas você acha que o bioquímico deve desenvolver para trabalhar nessa área?

 Das características técnicas, é fundamental fazer disciplinas como bioquímica clínica, hematologia, parasitologia clínica e outras voltadas para a área clínica. De fato, para o bioquímico competir com um biomédico por uma vaga em um laboratório clínico, tem que desenvolver essas habilidades e se diferenciar com o forte conhecimento em química, exatas e bioquímica que possuímos, desde a química orgânica até o instrumental de análise, desde a bioquímica metabólica até a biologia molecular e bioquímica de lipídeos.

Das características humanísticas, a principal é a empatia. Chega paciente doente, chega paciente que não entende nada da parte técnica, chega paciente que ama conversar. Se for trabalhar com coleta, saber lidar com o paciente e suas particularidades é fundamental. A empatia é necessária também quando o laboratório é requisitado às 16:55h para fazer uma coleta no pronto atendimento, e é necessário ficar até mais tarde para entregar o laudo. Pensar no paciente é o principal. Se um exame for liberado errado, seu nome está lá e pode ter consequências legais, mas acima de tudo, é com a vida de alguém que estamos lidando.

Houve um caso que o secretário de saúde foi pessoalmente no laboratório para agradecer a entrega rápida de exames de perfil cardíaco de um paciente que estava com princípio de infarto no hospital e precisava dos exames para ser levado às pressas para Divinópolis. Esse retorno nos dá uma gratificação do nosso exercício profissional como bioquímico e como equipe que vocês não tem noção!

 Percebe vantagens e/ou desvantagens de se ter a formação superior em Bioquímica para esta atuação profissional?

 Entre as vantagens estão a boa gestão de tempo, o raciocínio rápido que adquirimos ao longo do curso, a habilidade em tomar decisões e resolver problemas e a capacidade técnica em termos de conhecimento, principalmente nos setores de bioquímica e imunologia. As desvantagens são a forte competição com biomédicos (a maioria dos laboratórios são credenciados ao CRBM ou ao CRF, raramente ao CRQ), a dificuldade em mostrar aos recrutadores a competência dos profissionais bioquímicos na área.

Com base na sua experiência, que conselhos você daria ao atual aluno de bioquímica?

 Não espere a formatura passar para começar a procurar emprego, a fazer um bom currículo, a movimentar o LinkedIn, a fazer networking e a entender as necessidades do mercado de trabalho. Sonho em trabalhar em indústria desde a época do estágio e hoje sinto que eu poderia ter feito mais para tentar conseguir.

Agarre todas as oportunidades que aparecer, mesmo não sendo sua área de paixão, assim como eu fiz. E nunca deixe de estudar e se atualizar. Depois de formar fiz vários cursos para direcionar minha carreira para a área que quero e ainda há diversos outros que quero fazer. Ah, e aproveite a graduação para melhorar seu inglês, faz muita falta!

Compartilhe este artigo:

[ssba-buttons]

Bioquímica Brasil

O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

bioquimicabr@gmail.com

Bioquímica Brasil

O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

bioquimicabr@gmail.com

0 comentários

Enviar um comentário

REDES SOCIAIS & CONTATO

FACEBOOK LINKEDIN INSTAGRAM

bioquimicabr@gmail.com

FACEBOOK
LINKEDIN
INSTAGRAM

bioquimicabr@gmail.com

Bioquímica Brasil ©. Divulgando a ciência Bioquímica desde 2014!