A Bioquímica por trás da Perícia Criminal

A Bioquímica por trás da Perícia Criminal

por | set 14, 2020

A profissão do perito criminal desperta a curiosidade de muitas pessoas, sejam estudantes das mais diversas graduações que almejam trabalhar na área, sejam amantes de filmes e séries de investigação policial. Hoje em dia, graças a esses programas de TV e aos profissionais da área que se dispõe a divulgá-la, não só a carreira é muito mais conhecida, mas também algumas técnicas e equipamentos de uso cotidiano. Sendo essa profissão uma das opções para os graduados em Bioquímica, pode-se fazer dois principais questionamentos: onde se encontram alguns exemplos desse conhecimento aplicado à perícia criminal e quais qualidades de um bioquímico são fundamentais para o exercício dessa atividade?

Para entender a relação do bioquímico com a profissão, é preciso compreender, primeiramente, o conceito de Ciências Forenses. O termo “ciência” representa a reunião das mais diversas ciências, como Biologia, Física, Química, Matemática entre outras, e o termo “forense” é a orientação desses conhecimentos para fins judiciais. Sendo assim, é possível unir os conceitos abordados na bioquímica com a análise de vestígios encontrados em investigações policiais e fornecer informações para autoridades que irão julgar os acontecimentos. A fim de exemplificar esse papel da ciência a favor da justiça, pode-se citar o uso de leis da física na compreensão de um acidente de trânsito ou da odontologia no reconhecimento de um corpo pela arcada dentária. Para especificar a interação entre a formação em Bioquímica e a profissão, estão descritos a seguir algumas técnicas e procedimentos da perícia criminal, que envolvam algum conteúdo dessa ciência.

Genética Forense

Dentre as atuações da perícia, as mais conhecidas são, provavelmente, a Biologia Molecular e a Genética Forense. Os estudos sobre DNA causaram tamanho impacto nas ciências forenses, que atualmente têm auxiliado tanto na acusação e detenção de criminosos, como na soltura daqueles presos injustamente. Sobre as atividades de um bioquímico nessa área, sabe-se que ele é capaz de realizar procedimentos como PCR e eletroforese com amostras de DNA provenientes de fluidos biológicos coletados de suspeitos e de cenas de crime.

Hematologia Forense

Amplamente divulgadas em séries, técnicas como a do Luminol, permitem identificar a presença de sangue em um local mesmo que ele tenha sido limpo e tenha se passado muito tempo desde o ocorrido. Apesar de toda beleza mostrada na TV, para reproduzir essa técnica, é necessário que o ambiente esteja bem escuro, pois a intensidade da luz produzida não é das mais fortes e sua duração é curta, de aproximadamente trinta segundos. Abordando a bioquímica deste reagente, vamos entender essa reação e o motivo da quimiluminescência observada.

Figura 1 - Reação do luminol

Fonte: https://sdqccaufscar.blogspot.com/2016/10/moleculas-luminol.html

A reação depende de uma solução básica, que será responsável por manter um caráter negativo da molécula do luminol e permitir a ação oxidante do peróxido de hidrogênio, também presente nessa solução. O ferro encontrado nas hemácias servirá como catalisador dessa reação e é neste ponto que algumas substâncias podem tomar o papel de catalisadores e gerarem um resultado falso positivo para o teste. A molécula formada nessa reação é chamada de ácido aminoftalato e possui átomos com elétrons excitados. Dessa forma, pelo fenômeno da transição eletrônica, esses elétrons retornam ao seu estado fundamental, liberando energia na forma de luz, que nesse caso possui coloração azulada (Figura 2).

 

Figura 2 - Efeito da quimiluminescência

Fonte: https://www.luminol.com

Ainda sobre sangue, uma substância avermelhada desconhecida, pode ser submetida a um teste rápido e de mecanismo bioquímico tão simples que dará em questão de segundos, um resultado positivo (ou negativo) sobre a possibilidade dessa substância ser sangue. Esse teste é conhecido como Kastle-Meyer e se baseia na reação de oxidação da fenolftaleína pelo peróxido de hidrogênio, catalisada pelo ferro complexado ao grupo heme das hemácias. Primeiramente é utilizado um swab para coletar a amostra de interesse. Aplica-se então, etanol para que as células presentes na amostra se rompam e facilitem a reação. Em seguida, é adicionada a fenolftaleína reduzida e por último, o peróxido de hidrogênio. Se houver a presença de células sanguíneas e, portanto, de ferro, o metal servirá como catalisador da reação e a coloração do indicador fenolftaleína se torna rosa, como mostra a reação a seguir:

Toxicologia Forense

Outra área de grande destaque é a Toxicologia forense, na qual o perito busca identificar compostos lícitos ou ilícitos, venenos e fármacos provenientes de apreensões ou de amostras de fluidos biológicos. Para realizar essa função, são aplicados testes rápidos de imunoensaio ou colorimétricos e/ou análises químicas instrumentais, tais como a cromatografia e a espectrometria.

Em programas de TV situados em aeroportos, é comum a aplicação de um teste rápido para a identificação de cloridrato de cocaína se houver suspeita de sua presença nas bagagens. O teste de Scott, como é conhecido, é um teste aperfeiçoado e que utiliza o tiocianato de cobalto como reagente, que apresenta coloração rosa, porém se torna azul ao reagir e formar um complexo entre a cocaína e o cobalto, portanto, não é necessário esperar uma análise mais complexa feita em laboratório para se realizar a apreensão da substância. Esse teste passou por algumas alterações para que pudesse ser mais seletivo e não sofresse com tantos interferentes. Ainda assim, existem técnicas para se constatar se a cocaína encontrada na amostra está na forma de cloridrato ou como base livre, conhecida como crack, pasta base entre outros nomes. O resultado do teste está apresentado na figura abaixo:

Figura 3: Teste de Scott, resultado negativo (à esquerda) e resultado positivo (à direita)

Fonte: Caligiorne, Sordaini Maria; Marinho, Pablo Alves. “Cocaína: aspectos históricos, toxicológicos e analíticos - uma revisão”. Revista criminalística e medicina legal (2016), p.7.

Inovação Tecnológica

O incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias é de grande importância nas universidades públicas brasileiras e pode ser direcionado à área das ciências forenses. A inovação pode trazer benefícios financeiros e de praticidade aos profissionais da área, tanto em campo quanto nos laboratórios. A exemplo disso, o professor Wagner Felippe Pacheco e o perito Rômulo Rodrigues Facci desenvolveram na Universidade Federal Fluminense (UFF), um novo pó revelador de digitais de grande potencial, que além de ser fabricado nacionalmente, é mais barato do que os importados e produzido a partir de um material reciclável. Esse caso é um dos tantos que podemos encontrar Brasil a fora relacionando a pesquisa acadêmica em universidades públicas e o desenvolvimento da perícia nacional, mais uma vez indicando o potencial e a qualidade da pesquisa e dos pesquisadores brasileiros.

As grades curriculares dos cursos de Bioquímica são compatíveis com parte do conhecimento técnico-científico necessário para a carreira de perito, especialmente para o cargo de perito de laboratório, que realiza o trabalho interno, analisando os vestígios encontrados pelos peritos de local de crime. Além das disciplinas, o pensamento científico construído no decorrer do curso e algumas habilidades como a atenção a detalhes, concentração, paciência e dedicação, permitem ao profissional bioquímico a capacidade para enfrentar as adversidades em uma cena de crime ou em um laboratório de química ou biologia forense. A apresentação desses poucos exemplos mostra o quanto a Bioquímica possui espaço na perícia criminal e que o profissional bioquímico é um bom candidato à vaga de “CSI” e pode fazer diferença na equipe.

 

Referências:

SEBASTIANY, Ana Paula et al. A utilização da Ciência Forense e da Investigação Criminal como estratégia didática na compreensão de conceitos científicos. Educ. quím, México,  v. 24, n. 1, p. 49-56,  janeiro 2013. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0187-893X2013000100009. Acesso em: 23 de ago. de 2020.

CALIGIORNE, Sordaini Maria; MARINHO, Pablo Alves. Cocaína: aspectos históricos, toxicológicos e analíticos - uma revisão. Revista criminalística e medicina legal, [s. l.], ano 2016, v. 1, ed. 1, p. 34-45, 10 jan. 2017. Disponível em: http://revistacml.com.br/wp-content/uploads/2017/01/RCML01-06.pdf. Acesso em: 23 de ago. de 2020.

FORENSIC scientist: job description. Target jobs, 2020. Disponível em: https://targetjobs.co.uk/careers-advice/job-descriptions/279565-forensic-scientist-job-description. Acesso em: 03 de set. de 2020.

HEMATOLOGIA forense: o que dizem as manchas de sangue. Kasvi, 2019. Disponível em: https://kasvi.com.br/hematologia-forense/. Acesso em: 22 de ago. de 2020.

CRIME scene chemistry: the Kastle-Meyer test for blood. Science buddies. Disponível em: https://www.sciencebuddies.org/science-fair-projects/project-ideas/BioChem_p037/medical-biotechnology/crime-scene-chemistry-kastle-meyer-test-for-blood#background. Acesso em: 22 de ago. de 2020.

CRIME scene chemistry – luminol, blood and horseradish. Compound interest, 2014. Disponível em: https://www.compoundchem.com/2014/10/17/luminol/. Acesso em: 22 de ago. de 2020.

UFF auxilia polícia brasileira com novo material revelador de impressões digitais. Andifes, 2019. Disponível em: http://www.andifes.org.br/uff-auxilia-policia-brasileira-com-novo-material-revelador-de-impressoes-digitais/. Acesso em: 23 de ago. de 2020.

 

Autor: Miguel Galliano de Oliveira, graduando em Bioquímica pela UFSJ e membro do PET Bioquímica.

E-mail : miguelgalliano@outlook.com

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