Bioquímica e o desenho racional de fármacos

por | jul 1, 2019

 

 

Bactérias, vírus, fungos e parasitas patogênicos causam vários tipos de doenças infecciosas que desencadeiam graves problemas de saúde pública e afetam toda a população. As doenças infecciosas negligenciadas são exemplos marcantes do subdesenvolvimento social e retratam a situação das regiões mais pobres e desfavorecidas do mundo, como é demostrado na figura abaixo. Esse cenário é agravado pelo número limitado de fármacos para esse tipo de doenças, assim como a falta de inovação dos já existentes. Com isso, são imprescindíveis maiores esforços para a criação e manutenção de novas alternativas terapêuticas para o controle e tratamento dessas doenças, uma vez que as doenças infecciosas são responsáveis por aproximadamente um terço das causas de mortalidade no mundo.

Até o fim do século XX, a identificação de compostos alvos era resultado de testes aleatórios chamados de triagem cega (screening), no qual se testa cada composto em células, animais, plantas ou modelos destes à fim de identificar aqueles que possuem atividade biológica desejada. Nos dias atuais, com a revolução tecnológica da química, biologia, física e computacional, pesquisas básicas tem proporcionado informações fundamentais para o desenho racional de novos fármacos.
Num contexto amplo, o desenvolvimento de um novo fármaco ainda é um processo complexo, longo e de alto custo, podendo levar entre 10-20 anos e chegar à faixa de bilhões de dólares. Estando fundamentado nas inovações científicas e tecnológicas, esse é um campo bastante amplo e desafiador para atuação do profissional bioquímico, que pode atuar na pesquisa básica (identificando compostos e/ou desenvolvendo novos) até seus testes pré-clínicos e clínicos, além, claro, de também poder atuar na comercialização do novo fármaco  (farmoquímico) e em etapas “burocráticas” que envolvem assuntos regulatórios, bioética e deposito de patentes.

Figura: Etapas gerais do desenvolvimento de um novo fármaco
Devido a formação do profissional bioquímico ter uma solida base química e biológica, este pode atuar na identificação funcional e/ou estrutural de novas moléculas de química orgânica sintética, de compostos bioquímicos (fitoquímicos, produtos naturais e biofármacos protéicos por exemplo),  tecidos, células, padrões de expressão gênica e características metabólicas. Utilizando ferramentas de bioquímica e biofísica computacional, é possível prever possíveis alvos para desenho de fármacos sem necessariamente fazer primeiramente testes in vivo, maximizando o tempo e diminuindo custos.
Um exemplo de técnica utilizada é a ancoragem molecular, que é utilizada para prever modos de ligação entre compostos e sítios de ligação de receptores moleculares. Em geral, no contexto das doenças negligenciadas, importantes proteínas do metabolismo do parasito são utilizadas como alvos-moleculares para esse tipo de ensaio, com objetivo de prever se uma molécula-alvo consegue inibir a função da proteína e assim comprometer o metabolismo do parasito (como é ilustrado abaixo).

Um dos primeiros fármacos desenhados computacionalmente, preditos pela dinâmica molecular foi o inibidor da protease do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Esta enzima reduz as proteínas precursoras grandes em proteínas menores, estas proteínas menores combinam com o material genético do HIV para formar um novo vírus, Com a inibição das proteases a replicação do HIV é impedida. Atualmente temos o saquinavir; ritonavir; indinavir; nelfinavir; amprenavir; fosamprenavir, lopinavir; atazanavir como alguns dos exemplos de fármacos licenciados que atuam na inibição da protease do HIV.

Já é sabido que o profissional bioquímico tem o domínio das várias estratégias que são empregadas para a investigação e melhoria de fármacos. Porém, como graduanda, percebo o quanto a nossa formação nos estimula a pesquisar e inovar, sendo isso um diferencial na indústria farmacêutica, o que demostra ainda mais quanto o profissional bioquímico pode agregar atuando nessa área. Uma vez que ainda existe uma vasta área ainda inexplorada no campo da química medicinal, o desenho racional de fármacos é certamente uma área promissora para atuação de bioquímicos, na qual poderemos impactar de maneira positivamente significativa no modo de vida da sociedade.

Letícia Alves Lopes
Graduanda em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa.

Bibliografia recomendada:
JARDINE, José Gilberto et al. Biologia computacional molecular e suas aplicações na agricultura. Embrapa Informática Agropecuária-Capítulo em livro científico (ALICE), 2014.
GUIDO, Rafael VC; ANDRICOPULO, Adriano D.; OLIVA, Glaucius. Planejamento de fármacos, biotecnologia e química medicinal: aplicações em doenças infecciosas. Estudos avançados, v. 24, n. 70, p. 81-98, 2010.
DA MOTTA VIEIRA, Vera Maria; OHAYON, Pierre. Inovação em fármacos e medicamentos: estado-da-arte no Brasil e políticas de P&D. Revista Economia & Gestão, v. 6, n. 13, 2006.
CUNICO, Wilson; GOMES, Claudia RB; VELLASCO JUNIOR, W. T. HIV-recentes avanços na pesquisa de fármacos. Química Nova, v. 31, n. 8, p. 2111-2117, 2008.
ANDERSON, Amy C. The process of structure-based drug design. Chemistry & biology, v. 10, n. 9, p. 787-797, 2003.

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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