O Bioquímico na Ciência e Tecnologia: um olhar de Inovação

por | jan 31, 2016

Batemos um papo com o Mikael Soares, bioquímico pela UFV (2007 - 2013). Ele foi gestor em ciência e tecnologia no CenTev - UFV e hoje atua com empreendedorismo e inovação aberta na área de Gestão e Redes de Inovação na Natura. Confere aí!
- (Bioquímica Brasil) Mikael, por que bioquímica?
(Mikael) Desde pequeno eu queria ser cientista e na escola as matérias que mais eu curtia eram biologia, química e matemática. Quando fui escolher um curso, gostei de Bioquímica por ser interdisciplinar. Nessa época, minha vontade era estudar ciências cognitivas: a mente humana, o papel do sonho, da consciência, a inteligência... E algumas dessas perguntas curiosas da biologia. Dentre as formas de estudar isso, achei a bioquímica uma das ciências mais interessantes que me dariam condições científicas de abordar essas questões.
- Então você tinha compreensão de que Bioquímica não era Farmácia? Em plena turma de 2007?
Sim, tinha completa noção. Se você entrasse no site da UFV podia baixar o catálogo das disciplinas e eu já sabia a grade do curso. O problema é que tivemos colegas que foram orientados de que os cursos eram a mesma coisa, as vezes até pelo próprio professor da escola.
- E como você lidou com um interesse tão diferente da maioria dos alunos?
Quando cheguei na UFV e comentei sobre isso com alguns professores, eles me olharam meio estranho (risos). Não consegui chegar na parte das ciências cognitivas, mas percebi que poderia reunir as áreas que eu gostava respondendo outras perguntas. Como meu interesse era algo muito fora da caixa, tive que conversar com muitas pessoas! Comecei a aprender a construir redes. Hoje eu vejo que isso foi extremamente importante.
- Você disse que queria ser cientista desde pequeno. Como foi o seu contato com os laboratórios de pesquisa?
Nessas conversas que tive, algumas das mais importantes foram com a professora Márcia Rogéria. Na primeira delas, a Márcia me ajudou perceber o cenário em que eu estava: a UFV é uma das melhores universidades agrárias do mundo (para algumas áreas) e o que eu estava buscando não iria encontrar por enquanto por lá. Ela me convidou a começar um estágio no LIMA (Laboratório de Infectologia Molecular Animal) com bioinformática. Não era bem o que eu estava procurando, mas já reunia ciências exatas e biológicas. Depois eu acabei sendo bolsista de dois projetos interessantes com um estudante de pós-graduação que estava construindo um protótipo vacinal, e que já era pura biotecnologia e biologia molecular. Aprendi muito sobre aproveitar as oportunidades de cada momento para construir uma jornada de vários passos. Hoje é engraçado, porque trabalho com uma área muito orientada à negócios e nada científica. Quando as pessoas perguntam sobre meu background, digo que já trabalhei com engenharia genética e ajudei construir um vírus mutante que curava uma doença causada por outro vírus (risos).
- Então essa busca ajudou a construir sua rede?
Sim, conheci muitas pessoas durante minha graduação. A verdade é que eu sempre quis ver as coisas acontecendo no curso, e acabei movimentando o pessoal que também queria. No Centro Acadêmico começamos a fazer projetos tentando dar vida em outras iniciativas do curso. Um deles foi reorganizar a Empresa Júnior, que estava naquele momento parada. Minha rede foi crescendo porque não dá para tocar essas ações sem se reunir com mais pessoas e aí conheci muita gente boa! Nessa época também ajudei a CEEMPRE (Núcleo de Empresas Juniores da UFV) e aprendi muito com eles. Comecei a aplicar o que eu ia aprendendo na Tecnomol e depois comecei a lidar mais com empreendedorismo e inovação quando passei um tempo no CENTEV (Centro Tecnológico de Desenvolvimento Regional da UFV).
- E como foi essa transição para empreendedorismo e inovação?
Eu tive algumas frustrações durante minha experiência na pesquisa acadêmica. A carreira acadêmica era muito orientada a publicações, enquanto o que eu buscava era algo orientado a solução de problemas. É uma cultura culpada principalmente pela progressão de carreira do pesquisador que, além de acumular outros cargos, é muito baseada em produção bibliográfica. Hoje as coisas estão mudando aos poucos e agora valorizam muito as patentes, mas que ainda é apenas um papel diferente se não for transferida ou licenciada. Quando comecei a estudar mais sobre inovação e empreendedorismo, descobri que eu gosto sim de ciência e tecnologia, mas que essa interface entre ciência e inovação era o que eu queria. Por isso estagiei na CENTEV e fiz minha monografia lá.
- É bacana perceber como os eventos na sua vida foram convergindo para esse cenário com a inovação!
Sim, foi bem legal. Fui vendo principalmente que ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo fazem parte de um ecossistema só – e que ciência é muito mais que só bancada! Acabei descobrindo que é nesse sistema unificado que eu gosto de trabalhar. Compreender o processo de ponta-a-ponta e alimentar o ciclo virtuoso da inovação: ciência gera conhecimento, conhecimento gera dinheiro através da inovação e dinheiro gera mais ciência! Olhar com atenção para empreendedorismo e inovação é uma forma de trazer fomento para as suas linhas de pesquisa .
- E como foi sua história com a Natura?
Eu entrei para a Natura como trainee de inovação do IEL e bolsista RHAE. Como a ciência não entende o mercado, e vice-e-versa, eu queria aprender mais sobre essa interface. Então, vi na Natura uma forma de encontrar isso, já que eles são benchmark internacional para muitas áreas de inovação. Só que, mais uma vez, tive que aproveitar as oportunidades que tive acesso e, na verdade, acabei indo trabalhar na interface da Natura com empresas startups. Essa experiência tem sido surpreendente e cada vez mais vejo que esse tipo de empresa também é uma forma de retirar conhecimento nas bancadas para serem aplicados na rua.
- Então você pretende voltar para pesquisa um dia?
Acho que nem saí, mas as vezes dou uma pausa (risos). Tenho aprendido que os cientistas precisam incorporar novas habilidades sempre. Nossa ficha já deveria ter caído: precisamos buscar outras áreas de conhecimento – principalmente para viabilizar grandes ações no escopo cientifico. Acredito que as grandes mentes das épocas antigas foram as pessoas que conseguiram conectar mais de um mundo que não era só o acadêmico. Minha ideia de sair da academia é justamente imergir em outros mundos para aprender e voltar para fazer melhor o meu papel. O papel do cientista é desenhar e responder perguntas, em qualquer mundo.
- Como você enxerga o bioquímico nesse contexto de mundos diferentes na ciência?
Acho que o problema da maioria das pessoas, principalmente quem não estuda negócios, é não saber vender a história do que tem feito e nem o conhecimento que tem. O curso de Bioquímica continua sendo um dos cursos mais sensacionais que eu já vi, com conhecimentos básicos, sólidos e também profundos, mas acabamos não aprendendo essa parte.
- Como você enxerga o empreendedorismo no futuro da ciência? Você acha que ainda vai demorar para os pesquisadores olharem com mais atenção essa área?
Depende, à nível mundial já temos muitas iniciativas boas. À nível nacional, acredito que vamos levar dez anos para que que essa cultura amadureça. Essa fusão entre ciência e empreendedorismo é natural, mas é muito difícil tornar um cientista um empreendedor, porque envolve competências diferentes. O ideal é criar um ambiente favorável para que os empreendedores consigam empreender tecnologias acadêmicas, seja através da transferência de tecnologia através de patentes ou do conhecimento que flui através das pessoas que consigam fazer essa ponte. A questão agora é fazer esses grupos de cientistas e empreendedores se conectarem mais, serem mais amiguinhos.
- Para terminar, se você pudesse deixar um recado para os bioquímicos ou aspirantes à bioquímicos, qual seria?
Eu acho que a dica mais forte é de que o bioquímico é um profissional de muita permeabilidade. A gente estuda muito conteúdo difícil, compreendemos temas muito complexos, então acaba que, aos poucos, podemos entrar em qualquer ambiente trazendo uma visão diferenciada. Temos uma crise de identidade que deveria, na verdade, ser uma coisa boa. Entendemos muito de algumas profissões e um pouco de outras muitas. O bioquímico é um excelente profissional para estar na interface entre elas, e se aproveitar disso. Já para os que querem fincar raízes na ciência, a dica principal é interagir mais, conversar com mais profissionais de outras frentes. O cientista tem que sair mais da torre de marfim! Sair de lá falando de ciência, como cientista mesmo, mas ouvindo outros profissionais para voltar para casa e fazer diferente.

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Bioquímica Brasil

O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

bioquimicabr@gmail.com

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