Precisamos falar de saúde mental na pós graduação.
Texto de Flávia Mendonça é Bioquímica pela UFSJ e mestre e doutoranda na USP-Ribeirão Preto
Ter a oportunidade de cursar uma pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado, pode ser a melhor fase da nossa vida mas também pode ser uma das fases mais estressantes. Muito alunos enfrentam diariamente uma rotina difícil, consequência de diversas formas de pressão e autocobrança relacionadas ao seu desempenho científico e acadêmico. Todo esse estresse pode resultar em adoecimento, porém, pouco se ouve falar sobre os efeitos psicológicos que a pós-graduação pode causar na saúde mental dos estudantes.
Sucesso profissional é um conceito muito relativo e na vida acadêmica é necessário muito mais do que inteligência para alcançá-lo. Geralmente, pensamos que se tivermos foco, determinação, conhecimento próprio e boa saúde para conseguirmos equilibrar vida pessoal e profissional, sem prejuízo em nenhuma delas, teremos sucesso e nos sentiremos felizes.
Porém, a definição de felicidade também é muito variável. Certa vez, li que nos sentimos felizes quando “a realidade da vida de alguém está melhor do que essa pessoa estava esperando. Quando a realidade acaba sendo pior do que as expectativas, essa pessoa está infeliz’’. Logo, a frustração de não conseguir equilibrar a vida profissional com a pessoal e a frustração de todas as expectativas que nos levariam ao sucesso, gera tristeza, muita tristeza. Esse sentimento pode vir acompanhado de diversos episódios de instabilidade emocional.
Todos os dias pós-graduandos travam uma luta psicológica real, séria e muito mais comum do que se imagina. São inúmeras as dificuldades em que estudantes de pós-graduação sofrem em dois anos de curso de mestrado e quatro anos de doutorado. No início dessa caminhada, os estudantes já passam por uma mudança de rotina muito bruta: ser aprovado na seleção, mudar de cidade e se impor no meio acadêmico como um profissional. Existe uma hierarquia enrustida dentro da academia. A cadeia de liderança/autonomia/arrogância é decrescente: pós- docs>doutorandos>mestrandos>ICs.
A pressão por número de publicações cresce conforme seguimos por essa cadeia. Apesar de não existir a profissão cientista no Brasil, assumir a pós-graduação como trabalho (o que realmente é), pode ajudar a lidar melhor com essa realidade. Na pós-graduação, todos são profissionais, graduados e capazes e, devido ao tempo de dedicação à ciência, alguns estão intelectualmente mais maduros do que outros. Impor uma hierarquia no ambiente de trabalho pode gerar competição desnecessária e motivar a autocobrança. Vamos nos livrar disso. Precisamos nos tratar de igual para igual.
Outro ponto causador de estresse é a relação com seus orientadores. Relações abusivas entre professor e aluno, pedido de realização de tarefas não relacionadas ao seu trabalho, ameaça de cortes de bolsas, humilhações públicas, críticas as suas capacidades cognitivas são muito comuns nas universidades. Isso não é normal! Precisamos conversar mais sobre isso. O silêncio só fortalece o opressor!
Por outro lado, ter um orientador inspirador pode compensar os riscos de desencadear períodos de instabilidade emocional. O mesmo vale quando os pós- graduandos, conhecem algum mestre/doutor empreendedor que despertam seu interesse: “Quando as pessoas tem uma visão clara do futuro e do caminho que eles estão tomando, isso proporciona uma sensação de significado, progresso e controle, que deve ser um fator protetor contra problemas de saúde mental” (doi:10.1126/science.caredit.a1700028). No momento, não vamos citar as atuais condições da ciência brasileira, mas podemos dizer que, atualmente nossa busca por inspirações é ainda mais árdua.
Em estudos recentes, constatou-se que um terço dos estudantes de doutorado correm o risco ter ou desenvolver alguma desordem psiquiátrica grave, como depressão (https://doi.org/10.1016/j.respol.2017.02.008). Outro estudo demonstrou que 51% dos entrevistados já experimentaram pelo menos dois sintomas de má saúde mental nas últimas semanas, indicando dificuldade psicológica. Os sintomas mais comumente relatados incluem sensação de tensão constante, ser infeliz e deprimido, perder o sono por causa da preocupação e não ser capaz de superar dificuldades ou curtir atividades do dia-a-dia (doi:10.1126/science.caredit.a1500125).
Não muito longe, aqui mesmo na USP, vi pós-docs desistindo da carreira acadêmica e doutorandos desistindo de escrever a tese poucos meses antes da defesa, por causa da depressão. Já vi estudantes desistindo de tudo e mudando-se para outras cidades. Na verdade, ninguém soube para onde essas pessoas foram. Houve até casos de suicídio, dentro da universidade. Esse ano, nossa colega, mestranda, colocou fim a própria vida. Muitos a conheciam, ninguém desconfiou de nada. Ainda nesse ano, houve registro de tentativas de suicídio de seis estudantes do curso de medicina.
O que todos nós estamos fazendo de errado? Porque não descobrimos que nosso amigo, aquele ali, que esbarramos no corredor todos os dias, precisa de ajuda?
Quero deixar um recado para vocês que estão agora, lendo esse texto: “você não está sozinho” “estamos juntos”. Independente do seu gênero, da sua opção sexual, da sua cor, religião e escolhas políticas. Devemos nos encorajar para cuidarmos mais de nós mesmos.
Estar disponível para ouvir, para falar, para ser empático e para fazer o que se gosta. Essas atitudes auxiliam a prevenção de efeitos negativos sobre a saúde, além de potencializar a capacidade de enfrentar dificuldades. Precisamos criar uma rede de apoio, para nos darmos a oportunidade de conhecer melhor quem trabalha com a gente.
Então, se você está lutando, é importante procurar ajuda em seu ambiente pessoal. Pode ser que você ache que isso que está sentindo agora é uma coisa passageira. Pode ser que não seja! Precisamos falar sobre depressão, ansiedade e suicídio no ambiente universitário. Nossa vida vale muito mais do que ser mestre, doutor ou número de artigos. Nós precisamos buscar diariamente o conhecimento que liberta e não que aprisiona.
Obs: Caso você precise ou conheça algúem que necessite de apoio, existe o serviço gratuito do Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 141. Você pode receber apoio emocional do CVV por email, chat e Skype, 24 horas por dia. Procure o Centro de Assistência Psicológica ao Aluno, muitas universidades contam com esse serviço.
Sua vida é mais importante que qualquer título!!
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