Água para análise química instrumental: O que é? Quais o tipos? Qual é sua importância?

por | fev 14, 2019

 

A água que utilizamos para a realização de nossas tarefas diárias, advinda da rede pública de abastecimento não é adequada para a realização de ensaios químicos de alta complexidade, pois contém um alto número de impurezas que podem prejudicar (e até impedir) os resultados analíticos desejados.

Por conta desta realidade, para um laboratório analítico de alta tecnologia é imprescindível o investimento não só em instrumentos científicos de última geração, mas também em sistemas adequados para a purificação da água que será utilizada nas várias etapas dos ensaios analíticos.

Como meu amigo, Humberto Bufalo (Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Veolia Water Brasil) costuma dizer: "Não se preocupar com a qualidade da água em um laboratório moderno é como abastecer uma Ferrari com gasolina adulterada."

Concordo plenamente com ele...

Mas afinal: O que é água ultrapura?

O termo "ÁGUA ULTRAPURA" se refere a água que foi purificada para especificações altamente rigorosas. Este termo é comumente utilizado na indústria de semicondutores e farmacêutica para enfatizar o fato de que a água é tratada com os mais altos níveis de pureza para todos os tipos de contaminantes, incluindo: compostos orgânicos e inorgânicos; material dissolvido e particulado; volátil e não volátil, reativo e inerte; hidrofílico e hidrofóbico; e gases dissolvidos.

Água ultrapura, destilada e deionizada são a mesma coisa?

Por incrível que pareça, encontro profissionais que não sabem diferenciar água ultrapura de água destilada e água deionizada, por isso, vamos desmistificar estes conceitos:

Água destilada

Água destilada é a água obtida por meio da destilação (condensação do vapor de água obtido pela evaporação) de água não pura, e então condensada em outro recipiente. A água destilada, porém, não é uma substância totalmente pura, ou seja, não há a presença de apenas H2O, pois a destilação não evapora todos os sais.

É utilizada em laboratório (em processos que não requeiram extrema pureza) e industrialmente como reagente ou solvente. Também é utilizada em baterias dos automóveis para reduzir a deposição de calcário.

Água deionizada

Água desmineralizada (ou água deionizada) tem a maioria dos sais minerais removidos, sendo utilizada em diversos processos químicos de baixa complexidade.

É utilizada em baterias, radiadores, limpador de pára-brisas, ferros de engomar, laboratórios, aquários, fotografia, indústria alimentícia, aparelhos odontológicos, autoclaves, etc.

A desmineralização da água é um processo que remove praticamente a totalidade dos íons presentes em uma amostra de água, podendo ser efetuado através de passagem por vasos de troca iônica, por equipamento de osmose reversa ou processos de evaporação/condensação dos vapores gerados.

Como a desmineralização da água consiste na remoção dos íons nela presentes, o processo é também chamado "deionização".

O processo de desmineralização de água por resinas de troca iônica é o sistema mais simples e econômico utilizado para purificação de água e, esta tecnologia tem sido a preferida no Brasil, devido à baixa salinidade média das águas brasileiras, pela facilidade operacional, baixo custo de aquisição dos equipamentos, baixo custo operacional e alta taxa de recuperação de água, que pode chegar a 98%.

Água Ultrapura

Como dito anteriormente, água ultrapura é uma água tratada com os mais altos níveis de pureza para todos os tipos de contaminantes, incluindo: compostos orgânicos e inorgânicos; material dissolvido e particulado; volátil e não volátil, reativo e inerte; hidrofílico e hidrofóbico; e gases dissolvidos.

É utilizada nos mais variados setores de pesquisa, indústrias farmacêutica, química e de cosméticos, centros de pesquisas, universidades, laboratórios de prestação de serviços de análises instrumentais, etc. Basicamente, onde existe um laboratório de análise instrumental, existe a necessidade de água ultrapura.

Preciso usar água ultrapura em todas as rotinas do laboratório?

Não, a qualidade da água exigida para cada aplicação varia de acordo com sua complexidade e necessidade específica. Uma água utilizada para lavagem de vidrarias, por exemplo, não necessita ter o mesmo grau de pureza que uma água utilizada para o preparo de amostras para posterior análise por LC-MS, GC-MS ou ICP-MS.

Classificação dos diferentes tipos de água segundo a Farmacopeia Brasileira

Basicamente há 5 tipos de águas utilizadas em laboratórios, indústrias cosméticas e farmacêuticas: água potável, água reagente, água purificada, água para injetáveis e água ultrapura.

Água potável

A água potável é o ponto de partida para a produção dos demais tipos de água. Ela é obtida a partir do tratamento da água retirada de mananciais e segue as especificações determinadas pela Portaria de Consolidação nº 5 de 28 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde que detalha os requisitos de potabilidade da água para consumo humano.

Água reagente

Produzida a partir da água potável por um ou mais processos como filtração, destilação ou deionização, é geralmente utilizada na limpeza de materiais e equipamentos e também no abastecimento de equipamentos como autoclaves e banho-maria. Deve atender às especificações estabelecidas na literatura apropriada.

Água purificada (AP)

Produzida a partir da água potável ou da água reagente, é obtida por uma combinação de processos como múltipla destilação, osmose reversa, eletrodeionização e ultrafiltração, para atender às especificações apropriadas. É geralmente utilizada no preparo de soluções reagentes, meios de cultura, diluições, soluções tampões, análises clínicas, fabricação de medicamentos e cosméticos, entre outros.

Água para injetáveis (API)

Esta classe de água, atende aos requisitos químicos da água purificada, e ainda, exige o controle de endotoxinas, partículas e esterilidade. É utilizada como solvente ou veículo de injetáveis e na preparação de produtos farmacêuticos parenterais, princípios ativos de uso parenteral, produtos estéreis e na limpeza de equipamentos usados para preparação destes produtos.

Água ultrapura (AUP)

É requerida em aplicações mais exigentes, principalmente em laboratórios de ensaios, para diluição de substâncias de referência, em controle de qualidade e na limpeza final de equipamentos e utensílios utilizados em processos que entrem em contato direto com a amostra que requeira água com esse nível de pureza. É ideal para métodos de análise que exigem mínima interferência e máxima precisão e exatidão.

Classificação dos diferentes tipos de água segundo a EN ISO 3696 e CLSI (Clinical and Laboratory Standards Institute)

Água (Grau III / Tipo III)

A água Grau III, tem uso em grande parte das aplicações laboratoriais na química úmida e no preparo de reagentes e soluções. Sua produção pode ser por destilação simples, osmose reversa ou deionização por troca iônica.

Exemplos de aplicações:

- Alimentação de autoclave;

- Lavagem de vidrarias;

- Câmaras de estabilidade;

- Geradores de vapor;

- Meios de cultura;

- Esterilização.

Água (Grau II / Tipo II)

A água Grau II, conta com níveis reduzidos de contaminantes orgânicos, inorgânicos e coloides, tornando-se indicada para métodos analíticos como a espectrofotometria de absorção atômica (EAA) e a espectrofotometria UV-VIS. Uma múltipla destilação, a deionização ou a osmose reversa somada a destilação podem produzir esse tipo de água de laboratório. A condutividade máxima para o tipo 2 é de 1 µs/cm a 25 ºC e sílica de 0,02 mg/L.

Exemplos de aplicações:

- Lavagens em geral;

- Solução tampão;

- Meio de cultura;

- Histologia;

- Espectrometria de Absorção Atômica (EAA);

- Espectrofotometria UV/VIS;

- Preparação de meios microbiológicos;

- Química geral;

- Diluição de amostra de reagente;

- Análise de água (utilizada principalmente na produção de medicamentos);

- Preparação de reagentes e "buffer" para os ensaios listados acima;

- Diluição de análise de sangue;

- Câmaras de estabilização;

- Umidificadores;

- Para alimentar equipamentos que irão fornecer a Água Grau 1.

Água ultrapura (Grau I / Tipo I)

A água ultrapura Grau I/Tipo I é a de mais alta pureza, livre de coloides iônicos ou dissolvidos e de contaminantes orgânicos, apropriada para as técnicas analíticas mais sensíveis. Para se conseguir esse padrão ultrapuro, com condutividade máxima de 0,1 µS/cm a 25 ºC e conteúdo máximo de sílica de 0,01 mg/l, uma das “rotas”, partindo de uma água de grau 2, é usar mais de um passo de membranas de osmose reversa ou de deionização por troca iônica ou eletrodiálise (EDI), seguida de uma filtração em membranas de 0,2 µm para remover particulados ou sílica do equipamento de destilação.

Exemplos de aplicações:

- ICP-MS (Inductively Coupled Plasma Mass Spectrometry – Espectrometria de Massas com Fonte de Plasma Indutivamente Acoplado;

- HPLCs (High Performance Liquid Chromatography – Cromatografia Líquida de Alta Eficiência);

- Análises de traços e quantitativas;

- Biologia molecular;

- Eletroquímica;

- Eletroforese;

- Células de mamífero e bacterianas;

- Cultura de tecidos;

- LC-MS e LC-MS/MS;

- GC-MS e GC-MS/MS;

- Cromatógrafo de Íons (IC);

- ICP-OES ;

- Aplicações de genoma;

- Preparação de reagentes e "buffer" para ensaios listados acima;

- Preparação de meios microbiológicos;

- Rinçagem de vidrarias.

Qual a qualidade de água ideal para a sua aplicação?

Espectrofotometria UV/VIS

A água purificada para aplicações de espectrofotometria terá que ter, pelo menos, uma qualidade de Tipo II, com um baixo nível de contaminantes inorgânicos, orgânicos ou coloidais. Tipicamente, a água apresenta uma resistividade >1 MΩ-cm e foi micro filtrada. Um teor baixo de TOC (<50 ppb) é de particular importância em técnicas em que são utilizados sistemas de detecção de raios ultravioleta, pois os orgânicos dissolvidos podem interferir na detecção.

Espectrofotometria de Absorção Atômica (Chama) - EAA

Apesar de ser um pouco eclipsada por análises de multi-elementos ICP-MS e ICP-OES, o custo relativamente modesto do EAA garante a sua utilização em laboratórios mais pequenos ou para análises específicas. Dependendo do elemento, os limites de detecção variam entre ppb baixo para níveis de ppm. A água de Tipo II é, no geral, suficientemente pura para a maioria das rotinas de EAA e não existe um requisito para níveis baixos de compostos orgânicos ou bactérias.

Espectrofotometria de Absorção Atômica (Forno de Grafite) - EAA-FG

Esta variante de EAA, em que a chama é substituída por um tubo ou barra de grafite aquecido eletricamente, pode alcançar uma sensibilidade muito elevada em análises elementares. É necessário um polidor topo de gama de água de Tipo I, que garanta níveis ppt de impurezas elementares, resistividade de 18,2 MΩ-cm e baixo TOC, enquanto a monitorização de multi-etapas fornece a melhor garantia de pureza. O melhor desempenho é conseguido quando o pré-tratamento melhorado é seguido de recirculação contínua e repurificação da água polida, ou seja, é necessária uma água Tipo I de alta pureza.

Espectrometria de Emissão Óptica com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-OES)

Na técnica de ICP-OES, a sensibilidade difere marcadamente para diferentes elementos, no entanto, metais, semi-metais, fósforo e enxofre têm limites de detecção na gama de ppb (μg/L) e necessitam de uma pureza de água bastante rigorosa. A melhor opção traduz-se num sistema (polidor) de água de Tipo I de elevada pureza, apresentando resistividade >18 MΩ-cm, no entanto, os requisitos TOC não são, geralmente, importantes e o pré-tratamento pode ser efetuado por osmose inversa ou permuta iônica.

Espectrometria de Massas com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-MS)

Os avanços na instrumentação analítica moderna continuam a melhorar a sensibilidade da análise de detecção de metais. Estes elementos são agora medidos a níveis ppt e sub-ppt, utilizando técnicas como a ICP-MS. O trabalho analítico de detecção necessita de água isenta dos componentes a serem medidos e exige a mesma pureza extremamente rigorosa da água para o trabalho mais sensível em ICP-MS.

São preferidas instalações tipicamente limpas para preparar reagentes de elevada qualidade para análises em branco, diluições padrão e preparação de amostras. O sistema de água especificado deverá ser um sistema de Tipo I especialmente concebido. Deverá incluir uma forma de monitorização multi-etapas para garantir estes níveis de pureza. O melhor desempenho é alcançado com pré-tratamento melhorado resultante de um sistema de recirculação de Tipo II.

Cromatografia a gás acoplada ou não a espectrometria de massas (GC e GC-MS)

Para a Cromatografia a Gás (GC), a  água purificada é utilizada para preparar amostras em branco, padrões e pré-tratamentos de amostras, por exemplo, extração em fase sólida (SPE). Uma vez que a GC-MS consegue alcançar uma elevada sensibilidade, o requisito da pureza da água é extremamente rigoroso. São necessários níveis muito baixos de TOC, ou seja, inferiores a 3 ppb, o que poderá ser melhor conseguido utilizando um polidor topo de gama alimentado com água pré-tratada por osmose inversa para a remoção de íons e compostos orgânicos.

Cromatografia a Líquido acoplada ou não a espectrometria de massas (HPLC e LC-MS)

Esta técnica altamente sensível permite análises de detecção de misturas complexas, necessitando, assim, de água com elevada pureza. Todos os pré-tratamentos de amostras, como a extração em fase sólida (SPE) e etapas de preparação de amostras necessitam de água ultrapura Tipo I, que é produzida por um sistema topo de gama de "polimento" da água. Este permite níveis ppt de impurezas elementares, resistividade de 18,2 MΩ-cm e TOC extremamente baixo, tipicamente <3 ppb.

A monitorização multi-etapas (disponível em alguns sistemas de ultrapurificação encontrados no mercado) é um dos meios que garantem este nível de pureza e o melhor de desempenho é alcançado com pré-tratamento melhorado seguido de recirculação contínua e repurificação da água polida.

Como escolher o melhor sistema de ultrapurificação de água?

Existem diversos fabricantes de sistemas ultrapurificadores de água com representação no Brasil. Por uma questão ética, eu não vou registrar minha preferência pessoal, mas posso dar algumas dicas na hora da escolha do melhor sistema em acordo com as necessidades analíticas do seu laboratório.

Você deve levar em consideração:

▪ Características Físicas, Químicas e Microbiológicas da Água de Abastecimento;

▪ Características Físicas, Químicas e Microbiológicas da Água Purificada, ou seja, qual a qualidade objetivada em função das atividades do laboratório;

▪ Material de carcaças de filtros, tanques, reservatórios, tubulações e conexões (em acordo com as necessidades analíticas e legislação vigente);

▪ Disponibilidade de Assistência Técnica.

E uma dica pessoal: Todos os sistemas de ultrapurificação de água, independente do fabricante, requerem manutenções preventivas (troca de filtros, membranas, etc.) de forma periódica, para manter a qualidade da água especificada. Alguns fabricantes vendem o sistema de ultrapurificação com um preço mais baixo, porque a periodicidade de manutenção preventiva em seus sistemas é maior do que nos ofertados pela concorrência, ou seja, ele deixa de ganhar na venda do equipamento para ganhar na venda dos materiais de reposição. Lembra da máxima: "O barato sai caro!?"

Minha dica especial é: Cote o sistema de ultrapurificação de água em acordo com as necessidades analíticas do seu laboratório e a água de abastecimento de sua localidade. Em paralelo, peça ao consultor/representante de vendas da empresa, informações sobre a periodicidade da troca dos materiais de reposição do sistema que ele está lhe ofertando e um orçamento destes materiais de reposição. Com todos estes números em mãos, fica mais fácil você decidir, qual sistema é efetivamente mais interessante para aquisição, levando em consideração não só o investimento inicial, mas sim, o investimento necessário para o perfeito uso do sistema a médio e longo prazo.

Considerações finais

Este artigo sobre Água para análise química instrumental teve como objetivo mostrar de uma forma mais acessível:

▪ O que é água ultrapura;

▪ Quais os tipos de águas e suas classificações;

▪ Qual a importância de se utilizar uma água de qualidade em análises laboratoriais, a fim de evitar erros analíticos, desgaste dos instrumentos de medição e ampliar a confiabilidade dos resultados obtidos;

▪ Apresentar quais os tipos de águas e seu grau de pureza em função das principais técnicas analíticas disponíveis na atualidade;

▪ Apresentar dicas e sugestões que possam facilitar à escolha de um fornecedor de sistemas de ultrapurificação de água.

Espero que estes objetivos tenham sido alcançados.

Em caso de dúvidas é só me contatar através do meu perfil do LinkedIn.

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Referências

▪ BS EN ISO 3696 - Water for analytical laboratory use - Specification and test methods

▪ Guia de Qualidade para Sistemas de Purificação de Água para uso farmacêutica - ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

▪ Veolia Waters - ELGA (Artigo intitulado: Água Laboratorial – Aplicações da espectroscopia e espectrometria na Água

▪ Ultrapure Water - Wikipedia

▪ Água destilada - Wikipedia

▪ Água desmineralizada - Wikipedia

▪ Química.com.br (Artigo intitulado: Água Ultrapura - Equipamentos analíticos mais sensíveis geram demanda por água de melhor qualidade - 2013)

▪ Revista TAE (Artigo intitulado: Água ultrapura para análise e processos farmacêuticos - 2012)

▪ B Filters - Tratamentos de Água (Artigo intitulado: São vários os tipos e classificações da água, conheça todos eles. - 2017)

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Caros colegas,

Chegamos ao final deste artigo sobre Água para análise química instrumental.

Espero que as informações aqui contidas lhes sejam úteis!

Forte abraço,

Compartilhe este artigo:

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Bioquímica Brasil

O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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