O Bioquímico empreendedor: Consultoria em Desenvolvimento Analítico

por | ago 15, 2020

Sarah Capelupe Simões, Bioquímica pela UFSJ, atua como consultora técnico-científica para as áreas de desenvolvimento analítico, pesquisa e inovação e estabelecimento de conexões entre a comunidade científica, fornecedores de equipamentos e reagentes, e industrias, tendo como clientes  empresas do porte da Chemyunion e Cia do Leite.

  • Como você decidiu ingressar no curso? Você já sabia que o bacharel em bioquímica era um profissional da química com várias áreas de atuação e que você teria que estudar muita química?

Eu comecei a pesquisar sobre cursos de graduação e me interessei bastante pela proposta do curso de bioquímica e na UFSJ decidi prestar para o curso de bioquímica, passei e não quis sair mais. Eu fui aluna da 2ª turma de bioquímica da UFSJ e na época eu sabia muito pouco sobre as áreas de atuação e disciplinas que eu iria estudar .Eu não sabia que o conselho que regia esta profissão era o de Química, descobri na primeira semana de graduação através das palestras de apresentação do curso. Imaginava que teria bastante química sim, porém não tinha noção o quão enriquecedor, exigente e difícil seria a graduação em bioquímica.

  • Nos conte como foi sua trajetória acadêmica. O que mais fez os seus olhos brilharem quais as dificuldades ao longo da graduação?

 

Eu era bastante esforçada, estudava muito para não ter provas finais ou reprovações, mas infelizmente as disciplinas de cálculo foram bem complicadas para mim, e por isso tive 3 reprovações: Físico química I e Fenômenos de transporte I e II. Isso foi um drama, pois não queria atrasar minha formação. Com muita ajuda de colegas e professores que se esforçaram muito para me ensinar essas disciplinas, eu me formei dentro do período previsto. Nossa turma era bastante unida e esforçada; nos amparávamos muito durante os estudos e dividíamos o nosso conhecimento durante as tardes e noites de estudos.

As disciplinas que mais me encantavam eram as que envolviam o estudo do metabolismo, fisiologia, biologia molecular e biologia celular. Eram disciplinas difíceis, com muito conteúdo, mas que eu tinha uma certa facilidade.

  • Nos conte agora a sua trajetória profissional até aqui?

Durante a graduação, já no 2 º período, tive a oportunidade de me envolver com o laboratório do Prof. Dr. Fernando Varotti. Como este era um professor recém chegado e por na época não termos um programa de pós-graduação no campus, os alunos de iniciação científica tinham que aprender com as próprias experiências. Nosso grupo era bem forte e empenhado e nós literalmente montamos o laboratório, limpamos e implementamos a linha de pesquisa mesmo com pouca experiência; não tínhamos sábado, domingo, feriado ou férias, sempre estávamos lá. Não sei se foi pela linha de pesquisa ou pelo grupo com que tive a honra de trabalhar, mas eu me apaixonei pela pesquisa. Logo após a graduação eu iniciei o mestrado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP no Departamento de Bioquímica no laboratório do Prof. Dr. Claudio M Costa-Neto. Foi uma época bem difícil, existiam alunos com diferentes níveis de conhecimento, e eu me sentia um pouco perdida e me cobrava muito por bons resultados. O laboratório tinha reuniões semanais, com discussão de resultados e artigos, e nesse período eu tive que amadurecer como profissional e como pessoa em um curto espaço de tempo. Tive muita ajuda de meus colegas e do meu orientador, e posso  dizer que o doutorado foi bem mais fácil. Por mais que a cobrança por resultados fosse bem maior, eu soube lidar melhor com essa fase. Entendi que não há como fazer pesquisa ou ser um estudante de pós sem colaboração. O meu doutorado foi no mesmo laboratório em que fiz o mestrado, e apesar de ter me esforçado muito, eu não teria quase nada se não fossem meus “colegas de corredor”. Eram empréstimos de reagentes, ajuda na hora de executar experimentos e troca de informações o tempo todo. Além disso, meu orientador sempre depositou muita confiança em mim; ele escutava atentamente cada uma das minhas sugestões , refletia e, quando as julgava sensatas, permitia que eu as executasse sem poupar esforços ou recursos. Atualmente tenho uma empresa, criada há menos de 1 ano, logo depois que defendi meu doutorado. A ideia da empresa surgiu porque eu  percebi a necessidade de profissionais que pudessem levar os conhecimentos adquiridos nas universidades para as empresas e outros setores, como laboratórios de análises clínicas, assim como de profissionais que pudessem promover parcerias entre diferentes áreas da pesquisa e mostrar para a sociedade produtos incríveis, como, por exemplo, o carrapaticida biológico produzido pela  Decoy, uma startup que fica no SUPERA Parque de Inovação e Tecnologia, mas que poucas pessoas que estão fora  dos grandes centros conhecem.

 

  • Você poderia fazer uma breve descrição da sua rotina (dia-a-dia) de trabalho? No que difere o ambiente de trabalho nesta área do ambiente de trabalho acadêmico (universitário)?

Meu trabalho atual me permite promover assistência remota, não preciso ir todos os dias a um laboratório, posso trabalhar de qualquer lugar. Quando necessário, vou até os laboratórios dos meus clientes, mas 70% do meu tempo é dedicado à pesquisa de literatura, proposta de protocolos e/ou direcionamento de projetos. Além de me dedicar ao estabelecimento de conexões entre a comunidade científica, fornecedores de equipamentos e reagentes, e a comunidade externa. Acho que existe um abismo enorme entre as universidades, as empresas e a população, e nós somos os elos que podem unir esses diferentes “mundos” que são interdependentes; e minha proposta é justamente essa, estreitar essa “distância”. Diferente do ambiente acadêmico, eu não tenho como objetivo melhorar meu currículo através do aumento do número de publicações, e não tenho essa pressão; não que eu não ache importante, mas não é o meu objetivo neste momento como consultora e assessora. Meu foco está em usar a experiência e os contatos adquiridos durante a minha trajetória, juntamente com as atualizações que eu faço diariamente sobre produtos, novas tecnologias, serviços, técnicas e revisões bibliográficas relacionados aos projetos, para   auxiliar meus clientes a progredirem na pesquisa, desenvolvimento e inovação.

  • Como você aplica os conhecimentos adquiridos no curso no seu dia a dia de trabalho?

 

A graduação em bioquímica me permitiu interconectar assuntos de química e de biologia com muita facilidade. O curso meu deu noções em áreas como: bioquímica analítica, química analítica e instrumental de análise, bioquímica metabólica, bioquímicas específicas por biomoléculas (lipídeos, carboidratos, proteínas etc..), química orgânica e inorgânica, , química medicinal, morfofisiologia (biologia celular, histologia, embriologia e fisiologia), microbiologia, imunologia e vacinas, os mais variados tópicos da bioquímica e biotecnologia (terapia gênica por exemplo). Esses são apenas alguns exemplos da riqueza de conteúdo desse curso. Eu consigo discutir, entender e conectar eventos biológicos e químicos como uma certa facilidade, e isso é fundamental no trabalho que desempenho hoje.

  • No que difere o seu atual cargo como um CLT (ou concursado) de um bolsista acadêmico em termos de responsabilidades, atribuições, direitos e deveres?

As minhas responsabilidades, direitos e deveres são os mesmos que tive durante a minha carreira acadêmica. Preciso respeitar meus clientes, minimizar custos desnecessários, desenvolver o proposto dentro do período combinado e sempre manter a ética e o compromisso de desenvolver o melhor trabalho possível. A única diferença é que não preciso defender uma dissertação ou tese, ou então publicar um artigo ao final do processo.

  • Como surgiu esta oportunidade de emprego para você? Quais as dificuldades que você sentiu na busca por emprego? Você contou com ajuda de amigos, familiares, recrutadores?

 

No final do meu doutorado, meu orientador me apresentou ao diretor de P&D e ao especialista de inovação da Chemyunion, uma empresa química que produz ingredientes cosméticos, excipientes farmacêuticos, dentre outros produtos, e partir disso surgiu uma grande parceria. Abri uma empresa e hoje sou consultora científica de alguns projetos deles. Dessa forma, consegui estabelecer outras parcerias em diferentes segmentos, como com o laboratório de análises clínicas da Cia de Leite, uma empresa que promove soluções técnicas e gerenciais para os produtores de leite, indústrias e cooperativas, além de auxiliar os produtores de leite no controle de pragas e doenças. Juntos nós reestruturamos o laboratório e desenvolvemos o Kit Mamitest, o qual permite que o próprio produtor, ou o veterinário responsável, consiga identificar qual tipo de patógeno contaminou o seu rebanho e, através dessa rápida análise, direcionar o tratamento de forma mais efetiva. Hoje auxílio a empresa na compra de equipamentos, reagentes e melhoramento contínuo das técnicas empregadas dentro do laboratório.  Um outro exemplo de atuação, é a parceria que foi realizada com o Prof. Dr. Evandro Watanabe e com a técnica Viviane de Cássia Oliveira, ambos da Faculdade de Odontologia da USP de Ribeirão Preto, na qual fizemos análise de vários projetos em apenas 5 dias no sistema de HCS Operetta (PerkinElmer). Tenho experiência em operar este equipamento, e por isso pude ajudá-los. Por fim, minha empresa surgiu através de oportunidades e contatos que tive durante a pós graduação, e eu nunca havia pensado em trabalhar dessa maneira.

 

  • Que características técnicas (disciplinas) e humanísticas você acha que o bioquímico deve desenvolver para trabalhar nessa área?

 

Acho que o mais importante para um profissional da bioquímica é a versatilidade, nós possuímos o que poucos profissionais possuem, que é a profundidade do conhecimento da bioquímica, fazendo a junção de diferentes olhares sobre esta ciência e tecnologia, seja saúde, engenharia, química, biologia, agronomia, veterinária, alimentos etc... Por isso conseguimos atuar em uma ampla gama de projetos. Durante a carreira acadêmica tente transitar em áreas diferentes por um tempo até decidir qual segmento seguir, faça o máximo de contatos possíveis e, mais importante, trate com muito respeito todos os profissionais  que estão ao seu redor, pois amanhã aquele IC que você não teve paciência ou destratou por motivo nenhum, ou aquele vendedor de reagentes que você nunca tratou com educação, podem ser as pessoas  que te ofereceriam uma oportunidade.

 

  • Percebe vantagens e/ou desvantagens de se ter a formação superior em Bioquímica para esta atuação profissional?

Para a profissão que eu atuo hoje eu só vejo vantagens, por todas as qualificações que nós, como bioquímicos, possuímos. A única desvantagem que vejo é que as empresas ainda  abrem poucas vagas direcionadas para nós, mas pelo que eu vejo, quem contrata um bioquímico não se arrepende; tive a oportunidade de conversar com colegas que atuam em empresas privadas e eles estão se dando muito bem por lá.

  • Com base na sua experiência, que conselhos você daria ao atual aluno de bioquímica?

O Primeiro conselho que eu dou é: seja um aluno aplicado e dedicado, curta muito, mas sem deixar o curso à deriva. Ter a oportunidade de conhecer diferentes linhas de pesquisas e laboratórios é uma ótima opção. Não faça toda sua carreira em apenas uma instituição ou em um único laboratório, dessa forma a sua rede de contatos, oportunidades e experiências vividas serão bem mais amplas. Não desista da bioquímica, é um curso é difícil, e nós como profissionais dessa área ainda temos algumas dificuldades de ir para o mercado de trabalho no Brasil, mas somos muito competentes, e quem nos conhece gosta m

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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