O Bioquímico na industria: P&D de reagentes para bioquímica clínica
Fernanda Rebellato é Bacharela em Bioquímica pela UFV e analista de P & D na indústria de reagentes e equipamentos para bioquímica clínica e análises clínicas Biotécnica.
- Como você decidiu entrar no curso? Você já sabia que o bacharel em bioquímica era um profissional da química com várias áreas de atuação e que você teria que estudar muita química?
Eu ingressei no ensino superior na UFMG, cursando Medicina Veterinária e até então nunca tinha ouvido falar do curso de Bioquímica. Durante o primeiro semestre em Veterinária, tive uma disciplina de Bioquímica generalista e me apaixonei pelo conteúdo, por entender as vias metabólicas e moléculas que estavam por trás do funcionamento de todos os organismos. Foi então que realmente descobri a minha paixão e pesquisei se existia um curso de graduação em que eu pudesse me aprofundar nesse tema, encontrando o Bacharelado em Bioquímica.
Quando ingressei no curso, pela análise da grade curricular da UFV, sabia que o curso seria bastante aprofundado em química, já que esta é a base de toda a Bioquímica. Contudo, não sabia das diversas áreas em que poderíamos atuar. Isso eu fui descobrindo ao longo do curso, com as atividades extracurriculares e exemplos dados em sala de aula.
- Nos conte sobre a sua trajetória acadêmica. O que mais fez os seus olhos brilharem e quais as dificuldades ao longo da graduação?
Logo que entrei no Bacharelado em Bioquímica na UFV, participei do Curso de Calouros e passei a conhecer as instituições do curso: PET-Bioquímica, a Empresa Júnior (na época, Tecnomol, hoje renomeada como Polimerize) e o Centro Acadêmico. Desde então, percebi o quanto a vivência extracurricular poderia ser agregadora e propulsora do meu conhecimento pessoal e profissional, de modo que tentei aproveitar um pouco de cada oportunidade, sem deixar os estudos da grade de lado.
Participei do processo seletivo da Tecnomol em 2015, ano em que ingressei no curso, e fui aprovada como trainee da Diretoria Administrativo-Financeiro-Jurídico. Em seguida, fui eleita Diretora Vice-Presidente e também atuei como Conselheira Consultiva. Por um ano e meio, também fui integrante do PET-Bioquímica e, logo em seguida, realizei uma Iniciação Científica.
Em cada instituição estudantil que participei, tive a oportunidade de trabalhar em grandes grupos, desenvolver habilidades de comunicação e liderança, assim como aprender a ouvir e entender outras opiniões e argumentos. Na Tecnomol, aprendi sobre ferramentas de gestão e gerenciamento de projetos que aplico hoje no meu trabalho. No PET, desenvolvi a habilidade de escrita para o público leigo, além de entender o quanto nós, como alunos, podemos contribuir com o conhecimento e crescimento do próximo, assim como da sociedade como um todo.
Na Iniciação Científica, tive a oportunidade de trabalhar com pesquisadores incríveis e desenvolver o raciocínio crítico, a análise de dados e aprender diversas metodologias que hoje são fundamentais para que eu realize o meu trabalho com excelência. Como uma pessoa que adora entender o por trás de tudo, ser capaz de estudar uma via de sinalização e entender o mecanismo de funcionamento desta no câncer pela análise dos dados gerados nos experimentos era como admirar com fascínio a beleza e complexidade de uma pintura
Em 2018, participei de uma iniciativa do Bioquímica Brasil e fui indicada para um estágio na Biotécnica, uma empresa da área de diagnóstico in vitro. Esta foi o ápice de todas as minhas experiências acadêmicas, pois foi ali que tive que unir todos os conhecimentos adquiridos até então, seja pelas disciplinas da grade ou por atividades extracurriculares, e aplicá-los no desenvolvimento de um novo produto. Também foi neste momento que eu percebi o quanto valeu a pena o esforço em cada disciplina, a busca por complementar os conhecimentos ofertados pela grade curricular e todas as características adquiridas na Tecnomol e no PET-Bioquímica.
Dentre todas as atividades que realizei dentro da UFV, estagiar em um laboratório desde o primeiro período e a Iniciação Científica com certeza foram as experiências que mais afloraram a minha veia científica.
Hoje, analisando a minha trajetória na UFV, vejo como a minha graduação poderia ter sido melhor aproveitada se houvesse um direcionamento mais concreto e claro de quais disciplinas escolher para obter mais qualificações no Conselho Regional de Química. Além disso, apesar de estar diminuindo ano a ano, através de esforços de alguns professores e egressos, ainda existe o gargalo do distanciamento entre o curso de bioquímica da UFV e o mercado de trabalho.
Essas questões podem ser resolvidas pela implementação de uma grade curricular dividida em ênfases que direcionam o aluno para quais disciplinas ele deve cursar, de acordo com as áreas de atuação do Bioquímico: bioquímica clínica, bioquímica de alimentos, bioquímica ambiental e bioquímica industrial. Da mesma forma, o projeto pedagógico do curso poderia ser atualizado com base na pluralidade da profissão, explanando as áreas de atuação do bioquímico tanto na indústria quanto no setor de serviços analíticos assim como na academia.
Uma maneira simples de explicar as diversas áreas de atuação é a introdução das mesmas nas aulas de BQI-104, onde temos diversas palestras sobre as instituições estudantis, o CRQ e as linhas de pesquisa dos professores do departamento. Seria ainda mais interessante se estas palestras pudessem ser ofertadas por egressos do curso que estão trabalhando na área, pois assim os alunos poderiam ter de fato a experiência de um Bioquímico no mercado de trabalho e como é a sua percepção sobre a atuação nesta área.
Por fim, para impulsionar o ingresso dos Bacharéis em Bioquímica no mercado de trabalho, parcerias poderiam ser consolidadas entre a coordenação do curso e empresas do entorno de Viçosa, das mais diversas áreas de atuação do bioquímico, para que os alunos possam realizar o estágio obrigatório em uma indústria e obter a tão necessitada vivência de mercado. Como alguém que teve a possibilidade de fazer isso, eu posso afirmar que essa etapa é essencial não só para a nossa formação profissional, mas também para que possamos entender se queremos seguir a carreira acadêmica ou industrial.
- Nos conte sobre a sua trajetória profissional até aqui.
Durante a graduação, fui co-fundadora de uma startup que surgiu no Startup Weekend, em 2018. Com ela, participei do programa de aceleração Lemonade Ultra e da incubação no Centev/UFV, nos quais pude entender melhor sobre o mercado de trabalho e as etapas envolvidas na criação de uma empresa e colocação de um produto no mercado.
Posteriormente, no meu estágio na Biotécnica, atuei no desenvolvimento de um kit de diagnóstico in vitro para detecção de frutosamina, um analito que é encontrado em concentrações alteradas em pessoas com diabetes. Durante 10 meses, trabalhei arduamente no teste e desenvolvimento de uma formulação que, além de estável, tivesse a capacidade de detectar o analito com precisão, exatidão e apresentasse uma faixa operacional compatível com as necessidades do mercado.
Hoje, trabalho como Analista de Pesquisa e Desenvolvimento na Biotécnica, onde atuo no desenvolvimento de novas formulações para produtos de diagnóstico in vitro, além de ser responsável pela execução de testes de validação de produtos já existentes e pela elaboração dos projetos para registro dos produtos juntamente à Anvisa. Graças às experiências adquiridas, hoje também sou mentora do projeto de uma das estagiárias que vieram do curso de Bioquímica da UFV.
- Você poderia fazer uma breve descrição da sua rotina de trabalho? O que difere o ambiente de trabalho nesta área do ambiente de trabalho acadêmico?
Eu trabalho principalmente com o desenvolvimento de formulações para produtos de diagnóstico in vitro. Portanto, a minha rotina de trabalho está baseada no estabelecimento de uma formulação para quantificação de um determinado analito, com base em publicações científica, e na realização de testes para verificar se esta formulação me devolve a resposta esperada.
Geralmente, as informações que encontramos na literatura resultam em uma formulação capaz de detectar o analito de interesse, mas em 99,9% dos casos, é necessário realizar um ajuste para garantir que a quantificação está condizente com a concentração real da amostra. Também precisamos conseguir um produto estável, para que ele tenha um prazo de validade que permita a sua comercialização. Além disso, as características de desempenho do produto devem atender aos pré-requisitos comerciais e, se possível, apresentar diferenciais com relação aos concorrentes do mercado.
A grande diferença entre este trabalho e a pesquisa desenvolvida na universidade é que, na indústria, a meta de onde queremos chegar é clara. Ou seja, nós não exaurimos todas as possibilidades como ocorre na pesquisa acadêmica, porque nós temos um objetivo final claro. Talvez, se percorrêssemos outros caminhos, nós teríamos produtos diferentes, mas nós precisamos de agilidade na liberação de produtos, de modo que nós selecionamos as vias que consideramos melhores para percorrer, ao invés de testar todas as hipóteses possíveis para descobrir tudo que aquele produto pode fornecer.
Na minha opinião, o trabalho na indústria é mais direcionado, pois o enfoque não é a produção de conhecimento científico, mas sim utilizar este conhecimento científico para tomar decisões embasadas que levem a um produto final de qualidade no menor tempo possível.
- Como você aplica os conhecimentos adquiridos no curso no seu dia-a-dia de trabalho?
Na graduação, eu aprendi sobre as características de cada biomolécula, sobre os principais métodos de análise disponíveis e sobre as reações químicas de compostos orgânicos. A junção de todas essas informações é a base para o raciocínio crítico que eu aplico todos os dias ao decidir qual experimento eu vou executar, quais compostos eu vou utilizar e por que seria interessante eu manipular as suas concentrações de determinada forma.
Muitas vezes, na universidade, a gente pensa “Nossa, pra quê que preciso saber todos esses mecanismos reacionais? Eu nunca vou usar isso na vida”. A junção de todos esses conhecimentos é o que me permite entender o papel de determinado produto químico em uma formulação, inferir sobre os resultados que eu vou obter com um experimento e, principalmente, decidir quais caminhos eu devo percorrer para chegar no meu objetivo.
- No que difere o seu atual cargo como CLT de um bolsista acadêmico em termos de responsabilidades, atribuições, direitos e deveres?
Essa é uma pergunta bastante relevante, porque o meu trabalho é basicamente o mesmo de um pesquisador. O trabalho que eu faço no desenvolvimento de um produto poderia ser um trabalho de mestrado ou doutorado, porém a principal diferença é que eu faço parte do mercado de trabalho, enquanto um pesquisador da universidade é visto como um estudante. Portanto, desde já, o meu tempo de pesquisadora está sendo contado como tempo de contribuição para o INSS, enquanto que, se eu estivesse na universidade, isso não estaria ocorrendo.
Considero esta a principal diferença entre ser um pesquisador na indústria e na academia: na última, o seu trabalho não é reconhecido como uma profissão e, portanto, você não usufrui dos direitos trabalhistas que um pesquisador na indústria pode usufruir.
Com relação às atribuições e deveres, não vejo tanta diferença entre as duas instituições. Em ambas, você deve apresentar resultados para justificar a sua bolsa ou a sua permanência como funcionário de uma empresa.
- Como surgiu esta oportunidade de emprego para você? Quais as dificuldades que você sentiu na busca por emprego? Você contou com a ajuda de amigos, familiares, recrutadores?
Hoje sou Analista de Pesquisa e Desenvolvimento graças à uma ação desenvolvida pelo Bioquímica Brasil, durante a minha graduação, que me colocou em contato com a Biotécnica para a realização de um estágio.
Acredito que, na Bioquímica da UFV, especificamente, o contato com o mercado de trabalho ainda é pouco desenvolvido. Esse distanciamento do mercado dificulta muito o ingresso de recém-formados na indústria ou setor de serviços analíticos, pois muitas vezes não sabemos o caminho para conseguir um estágio ou quais empresas estão mais abertas a receber o profissional Bioquímico. No meu caso, o auxílio do Bioquímica Brasil foi fundamental para eu me posicionar no mercado de trabalho e ações como essa deveriam ser cada vez mais constantes dentro do próprio curso.
- Que características técnicas e humanísticas você acha que o bioquímico deve desenvolver para trabalhar nessa área?
Além das características técnicas, habilidades de trabalho em grupo, análise de dados e ferramentas de gerenciamento de projetos são bastante úteis e importantes, sendo que essas são obtidas principalmente nas atividades extracurriculares, como: PET, Empresa Júnior, Centro Acadêmico e Estágio/Iniciação Científica.
Como eu trabalho com o desenvolvimento de produtos para a área da saúde, mais especificamente produtos de diagnóstico in vitro para detecção de analitos do soro, o conhecimento sobre estes analitos é bastante importante para o meu entendimento da importância do produto que estou desenvolvendo e também para saber quais características o meu produto tem que ter. Por exemplo, se a glicose é um analito que tem sua concentração elevada no diabetes, o kit que eu desenvolver para quantificar glicose tem que ser capaz dosá-la com precisão e exatidão em altas concentrações. Um kit com uma faixa de linearidade baixa, que detecta até o valor de normalidade, seria um produto inútil.
Esse conhecimento específico sobre a área da saúde eu adquiri em disciplinas como: Imunologia, Bioquímica Clínica, Farmacologia e Bioquímica Metabólica. Porém, esse é apenas o topo do iceberg no meu trabalho. Eu preciso de um conhecimento aprofundado das biomoléculas, suas características, reações e as técnicas que eu posso aplicar para identificá-las para raciocinar de forma embasada sobre as formulações que estou desenvolvendo. Essa base, por sua vez, eu obtive nas disciplinas específicas para cada biomolécula (Bioquímica de Lipídeos, de Proteínas, de Carboidratos e de Ácidos Nucleicos) e nas disciplinas da Química e de métodos analíticos, como: as químicas orgânicas, Métodos Enzimáticos, Métodos Instrumentais de Análise e Química Analítica.
Além das características técnicas, habilidades de trabalho em grupo, análise de dados e ferramentas de gerenciamento de projetos são bastante úteis e importantes, sendo que essas são obtidas principalmente nas atividades extracurriculares, como: PET, Empresa Júnior, Centro Acadêmico e Estágio/Iniciação Científica.
- Percebe vantagens e/ou desvantagens de se ter a formação superior em Bioquímica para esta atuação profissional?
Acredito que a minha formação como Bacharel em Bioquímica é fundamental para eu conseguir realizar o meu trabalho com qualidade. O curso me deu um embasamento teórico muito grande sobre as biomoléculas e a química aplicada a elas, o que é essencial para que eu tenha uma visão 360° dos projetos que eu estou desenvolvendo.
Eu trabalho com profissionais de diferentes formações executando a mesma atividade que eu e cada um tem seus pontos fortes e fracos, de acordo com a sua formação. O interessante disso é que eu vejo na prática o quanto a nossa formação impacta no nosso modo de pensar e resolver problemas, pois perante uma mesma situação, cada um dos meus colegas irá surgir com uma solução diferente de acordo com o raciocínio que eles aprenderam durante sua trajetória acadêmica.
Com base nisso, eu posso afirmar com certeza que o Bacharelado em Bioquímica fornece uma base excelente para a atuação no mercado de trabalho, justamente por ela ser tão abrangente. O raciocínio crítico que a gente desenvolve dentro do curso e com as experiências extracurriculares é essencial para que eu consiga trazer resultados para a empresa onde trabalho.
- Com base na sua experiência, que concelhos daria ao atual aluno de bioquímica?
Se você já tem noção da área que gosta de trabalhar, busque optativas relacionadas à essa área, mas não se feche para outras oportunidades de aprendizado. Muitas vezes, um conhecimento que a gente adquiriu em uma matéria que a gente pensou ser aleatória irá ser fundamental para você no futuro. Portanto, mesmo que você tenha sua área de preferência, tente dar o seu melhor em todas as disciplinas, pois cada uma terá um papel importante na sua formação como um profissional bioquímico.
Além disso, aproveite todas as oportunidades que a universidade te dá para o seu crescimento profissional. Muitas características extremamente importantes para o mercado nós só adquirimos com a vivência extracurricular, então tente experimentar um pouco de tudo.
Lembre-se também que, na universidade, você está imerso em um ambiente multifacetado, com diferentes pessoas, culturas, opiniões e áreas de conhecimento, então usufrua dessa oportunidade de crescimento pessoal e profissional, pois no mercado de trabalho, vo
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