Tendências em Metabolômica

por | maio 18, 2016

Hoje comentamos sobre Metabolômica, uma área em que o mercado está bem atento. Nesse texto, Adelar Bracht, professor da Universidade Estadual de Maringá, nos explica um pouco desse ramo científico. Confere aí!

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Na ciência moderna, a competição por financiamento tornou-se intensa, praticamente feroz. Seja nos bastidores como também em público, utilizando certas palavras da moda de maneira acertada, é possível modificar a decisão sobre se uma determinada pesquisa merece ou não o apoio financeiro. A genética bioquímica desfrutou e ainda desfruta de uma boa palavra mágica, bem conhecida pelos leigos graças à divulgação universal do projeto genoma humano - projeto que se propunha a determinar a totalidade das sequências de bases do DNA humano.
Chamou-se de genômica a área que utiliza métodos de sequenciamento de DNA combinados com a bioinformática clássica para sequenciar e analisar a função e a estrutura dos genomas. A genômica gerou inúmeros projetos ao redor do mundo, de utilidade e alcance indiscutíveis. Na esteira da genômica, surgiram logo várias disciplinas, que hoje são chamadas de “disciplinas ômicas” ou “ciências ômicas” (omic disciplines, omic sciences).É bastante compreensível que se tenham estruturado imediatamente disciplinas como a transcriptômica (ramo de estudo do transcriptoma - o conjunto de moléculas de RNA mensageiro numa célula) e a proteômica (que estuda o proteoma, o conjunto de proteínas), derivando diretamente da genômica como extensão lógica. Mas também teria sido quase inevitável que os pesquisadores da área de metabolismo acabassem também por estruturar a sua disciplina integradora, que é conhecida universalmente como metabolômica. Sua definição consiste no estudo em larga escala das pequenas moléculas (pequenas em comparação a proteínas, por exemplo), em geral conhecidas como metabólitos, encontradas no interior das células, nos fluídos biológicos, tecidos ou organismos.
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A imagem acima retrata os quatro grandes grupos de moléculas pequenas presentes nas células, mas o metaboloma compreende também uma grande variedade de moléculas de natureza mista (glicolipídeos, por exemplo) e outras moléculas, conhecidas em geral como metabólitos secundários, que incluem alcalóides, fenólicos em geral, isoprenóides, ácidos orgânicos... Tem sido constantemente enfatizado pelos propugnadores dos estudos metabolômicos que, embora o conhecimento do genoma e seus derivados diretos (transcriptoma e proteoma) possam revelar as potencialidades inerentes a cada sistema celular, apenas o metaboloma seria capaz de fornecer um panorama instantâneo da fisiologia celular. Em outras palavras, é o metaboloma que determina o fenótipo e as intensidades e direções tomadas pelas funções celulares. Um dos desafios das ciências biológicas na atualidade seria, segundo o entendimento de muitos, integrar a genômica, a proteômica e a transcriptômica com a informação metabolômica para conseguir um melhor entendimento do funcionamento celular.
Viabilidade técnica
É a viabilidade técnica que impulsiona o desenvolvimento de novas disciplinas e ramos da ciência. O deciframento do genoma só se tornou possível graças à automatização do sequenciamento acoplada a uma sofisticada análise computacional. O genoma, porém, é previsivelmente mais estável do que o metaboloma, que está sujeito a inúmeras flutuações dependentes da expressão do genoma e das múltiplas interdependências regulatórias. Além disto, a variedade das moléculas envolvidas é muito maior, bem ao contrário da monotônica repetição das bases do DNA. Desta forma, a determinação das concentrações dos inúmeros componentes de um metaboloma pode exigir uma extraordinária capacidade de análise, nem sempre disponível e em todos os casos de custo relativamente alto. Outro obstáculo na determinação do metaboloma diz respeito ao fato de que as células se apresentam compartimentalizadas. A concentração de ATP no citosoldifere marcadamente daquela no interior das mitocôndrias. Em plantas, os cloroplastos diferem grandemente, em termos de seu teor em metabólitos, do restante do ambiente celular. Em casos como este, que não são poucos, a determinação do teor celular total de determinado metabólito pode ser de valia muito reduzida ou mesmo induzir a conclusões que pouco ou mesmo nada tem a ver com a realidade.
No âmbito dos objetivos mais amplos da metabolômica, conforme foram delineados acima, as técnicas a serem empregadas terão que ser necessariamente mais poderosas e muito mais rápidas. Sobretudo um alto grau de automação é altamente desejável, o que evidentemente exige a colaboração de várias especialidades. Os custos não são desprezíveis, de qualquer forma. Entre as plataformas analíticas modernas, que estão sendo usadas em estudos metabolômicos, algumas são relativamente antigas, porém tornam-se mais poderosas quando combinadas com outras. A lista inclui a cromatografia gasosa (GC), cromatografia líquida (LC), cromatografia líquida de alta pressão (HPLC), cromatografia líquida de ultra pressão (UPLC) acoplada a espectrometria de massa (MS), eletroforese capilar (CE) acoplada a espectrometria de massa (MS), espectrometria de infravermelho (FTIR), espectrometria de ressonância nuclear magnética (NMR) e outras. Todo o conjunto pode ser usado para separar, detectar, caracterizar e quantificar metabólitos. Em especial, metabolômica baseada em espectrometria de massa, oferece alta seletividade e sensibilidade na identificação e quantificação de metabólitos. Sua combinação com processos rápidos de separação pode reduzir significativamente a complexidade dos procedimentos. No entanto, apesar de toda a sofisticação inerente às técnicas disponíveis - NMR, GC-MS e LC-MS - nenhuma delas pode ser considerada perfeita no sentido de tornarem possível medir todos os metabólitos. Logo, em termos analíticos, a metabolômica ainda depende do desenvolvimento de novos procedimentos para poder atingir plenamente os seus objetivos.
Aplicações
O Esquema 2 ilustra a gama de possíveis aplicações da metabolômica. Elas englobam aspectos tanto de ciência básica como de ciência aplicada. Neste último caso, deve-se ressaltar as aplicações médicas, mas a metabolômica também poderá ter impactos econômicos.
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Crucial para a metabolômica é o propósito de identificar biomarcadores. Estes seriam pequenas moléculas que correlacionam com doenças, toxicidade de drogas, variações genéticas ou alterações ambientais. Biomarcadores validados na pesquisa clínica e saúde pública, por exemplo, podem formar a base de novos ensaios para diagnóstico e contribuir para o estabelecimento de uma verdadeira medicina personalizada. Esta última representaria o ápice da individualização do tratamento de saúde. Atualmente usa-se os testes bioquímicos clássicos para medir concentrações de metabólitos e identificar estados patológicos (por exemplo, o clássico teste de glicose sanguínea no caso do diabetes). A metabolômica, se implementada idealmente, poderia oferecer uma rápida identificação de centenas de metabólitos, o que permitiria identificar doenças com maior precocidade e precisão.
Outro exemplo: o desenvolvimento de novos pesticidas é crítico para suprir a crescente demanda agrícola. Neste sentido, a metabolômica poderia ajudar no melhoramento de plantas geneticamente modificadas e contribuir para estimar os riscos associados, por permitir obter uma visão detalhada baseada na sua bioquímica. O ideal seria tornar possível obter panoramas informativos da bioquímica das plantas durante várias fases do seu desenvolvimento. Isto, além de outras facetas, torna a metabolômica de plantas particularmente interessante. Os metabólitos primários e secundários das plantas têm uma ampla gama de funções. Ao redor de 300 metabólitos diferentes já foram identificados na última década e este número segue aumentando...
A aplicação da metabolômica ao bioprocessamento pode ser também uma área bastante promissora. Historicamente, o desenvolvimento de culturas celulares (microrganismos ou mesmo células de mamíferos) e o bioprocessamento têm sido dificultados pelo conhecimento limitado acerca dos componentes de cada sistema experimental. Estes sistemas envolvem centenas de metabólitos cujas concentrações mudam constantemente durante e por causa do crescimento e em resposta à disponibilidade de nutrientes e às demais modificações ambientais.
Tradicionalmente, o monitoramento desses processos tem envolvido um pequeno grupo de metabólitos (por exemplo, glicose, lactato, acetato, amônia, etc.). Geralmente, estes metabólitos podem permitir conclusões acerca das modificações metabólicas. Estima-se, no entanto, que o número de metabólitos numa célula é da ordem de vários milhares. Assim, é difícil dizer quais metabólitos estão mais intimamente ligados às modificações fenotípicas de interesse (viabilidade celular, níveis de expressão enzimática, qualidade de produto). Neste sentido, existe a real possibilidade de que, usando a metabolômica, seja possível identificar com maior precisão os sítios metabólicos cruciais, direcionando os pesquisadores para as áreas corretas que podem ser otimizadas.
Conclusão
Infelizmente, o potencial de impacto da metabolômica ainda está limitado principalmente por dois fatores: a tecnologia instrumental atualmente disponível e as bases de dados que ainda são predominantemente incompletas. Em termos de instrumentação, está bastante claro que melhoramentos significativos ainda terão que ser introduzidos para fortalecer a detecção e a quantificação dos metabólitos, ampliar a automação e torná-la aplicável a um maior número de compostos. Parece um trabalho para os bioquímicos, não é mesmo?
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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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