Grandes Centros de P&D: o Bioquímico no LNBIO-CNPEM

por | dez 16, 2015

O Carlos Roberto Paier, bioquímico pela UFV (2002-2007), Mestre e Doutor em Biologia Funcional-Bioquímica, pela Unicamp, atualmente é pós doutorando na Univ. Fed. do Ceará.
- (Bioquímica Brasil) Carlos, nos conte um pouco mais sobre sua trajetória acadêmica e profissional?
(Carlos) Sou bacharel em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Biologia Funcional e Molecular pela Unicamp (área de concentração: Bioquímica), tendo executado os trabalhos de pós-graduação no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), também em Campinas. Já tive bolsa de treinamento técnico no próprio LNBio e atualmente realizo pós-doutorado na Universidade Federal do Ceará, no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM).
- Você trabalhou como bolsista de mestrado e doutorado no LNBIO, que faz parte do CNPEM,assim como o CTBE. Quais são as linhas de pesquisa e desenvolvimento presentes no LNBIO?
As atividades desenvolvidas não eram complexas, todas possuíam protocolos padrão já estabelecidos e que deveriam ser seguidos, como forma de controle de qualidade das análises realizadas. Toda minha formação em Química (Geral, Orgânica, Analítica) e Bioquímica foi importante para que essas atividades fossem realizadas com a qualidade necessária. Acredito que, uma vez na empresa, não mais como estagiário de dois meses, nossa formação possa ser ainda mais útil não apenas para seguir protocolos, mas para sugerir melhorias e propor novos e melhores métodos, principalmente se o estágio for na área de Biotecnologia.
 - A opção por fazer um estágio fora da área acadêmica foi algo que sempre esteve claro para você durante o curso de graduação, ou houve alguma motivação especial para que você tomasse a decisão de fazê-lo?
O LNBio tem pesquisa em metabolismo de câncer, marcadores e desenvolvimento de câncer oral, pesquisa de fármacos (sintéticos e produtos naturais) por métodos de high-throughput screening, metaboloma de modelos biológicos tratados com novas drogas/cosméticos (por RMN), desenvolvimento de vetores virais para terapias anticâncer, biologia do desenvolvimento aplicado à cardiologia, biologia molecular de doenças cardiovasculares, interação planta-patógeno em citrus e produção de camundongos transgênicos para diversos fins. Também há pesquisa de biologia estrutural de proteínas relacionadas a câncer, contração muscular, receptores nucleares de hormônios esteróides e enzimas de aplicação biotecnológica (principalmente relacionadas ao etanol de 2a geração).
- No que o ambiente de trabalho do LNBIO difere de uma universidade federal? Existe interação com empresas e indústrias?
O LNBio é gerido por uma organização social, o que é juridicamente diferente de um órgão público tradicional. Essa diferença se reflete no gerenciamento e funcionamento geral da instituição. O LNBio não é totalmente independente, de fato, faz parte do CNPEM.
O CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) é um campus localizado em Campinas-SP, vizinho à Unicamp e pertencente ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Nesse campus estão congregados os Laboratórios Nacionais de Biociências (LNBio), de Nanotecnologia (LNNano), de Ciência e Tenologia do Bioetanol (CTBE) e de Luz Síncrotron (LNLS). Todos esses laboratórios são geridos por uma associação sem fins lucrativos (uma organização social), a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS), contratada pelo MCTI para gerenciar o CNPEM.
Todo ano, o desempenho gerencial da ABTLuS é avaliado e o contrato de gestão pode ser renovado, renovado com observações ou não renovado. Na prática, como a ABTLuS não possui concorrentes, o contrato é renovado sempre, mas após intensas negociações com o MCTI, sempre visando ao aporte de mais recursos. A depender da situação política e financeira do governo, o aporte de mais recursos pode ou não ser realizado. No governo Lula, o CNPEM conseguiu bastante dinheiro, mas atualmente convive com uma escassez preocupante (como as demais instituições de pesquisa do país).
Portanto, o CNPEM é um órgão público gerenciado por uma organização não pública, sem fins lucrativos, sob um contrato de gestão firmado diretamente com o Poder Executivo, por meio do MCTI. Como esse contrato se baseia em desempenho, o CNPEM precisa atender a metas anuais estabelecidas pelo contratante (MCTI). Essas metas geralmente contemplam a pesquisa interna (1) e o apoio OBRIGATÓRIO às demais instituições de pesquisa do país, públicas ou privadas (2) - em teoria, a segunda meta é mais importante que a primeira. Portanto, o CNPEM é um Centro aberto a pesquisadores de todo o Brasil, idealizado para promover o desenvolvimento técnico-científico brasileiro. Qualquer pesquisador pode submeter propostas de pesquisa para usar os laboratórios abertos do CNPEM (ex.: as linhas de luz do LNLS e as facilities de espectrometria de massas e biologia estrutural do LNBio), por meio do site da instituição na internet.
Um detalhe importante: por não ser uma instituição pública, a ABTLuS não precisa realizar concursos públicos. Os funcionários e pesquisadores são contratados por seleção aberta definida pela diretoria (mais ou menos rigorosa, dependendo da gestão do momento). Os contratos de trabalho são regidos pela CLT. Portanto, não são estatutários, como os funcionários públicos. Na prática, qualquer pesquisador ou funcionário pode ser demitido, não gozam de estabilidade. Isso faz com que o aumento de desempenho seja sempre exigido e geralmente alcançado.
Como o CNPEM possui pesquisa interna, mas NÃO é uma instituição de ensino, precisa fazer parcerias com instituições de ensino para receber alunos de pós-graduação. Na prática, os pesquisadores do CNPEM devem cadastrar-se em qualquer programa de pós-graduação do país (reconhecido pelo MEC), para terem o direito a orientar alunos. Isso significa que os alunos precisam fazer contato direto com os pesquisadores do CNPEM E ser aprovados nos processos seletivos desses programas. Uma vez aceitos pelos pesquisadores e aprovados nos programas, podem trabalhar no Centro. As bolsas são conferidas pelo programa de pós-graduação (de acordo colocação do aluno no processo seletivo) ou por requisição direta aos órgãos nacionais de fomento à pesquisa (CNPq, CAPES) ou ao órgão de fomento de SP (FAPESP). Ou seja, embora não seja uma instituição de ensino, o CNPEM pode receber bolsas de pós-graduação, felizmente. Para pós-doutorado, o candidato precisa fazer contato com o pesquisador e requisitar a bolsa diretamente aos órgãos de fomento (lembrando que, como qualquer bolsa, as requisitadas pelo CNPEM são submetidas à competição e podem ser negadas).
- Quais são as oportunidades para o bioquímico no LNBIO, além de mestrado e doutorado? Existe a possibilidade de trabalhar em regime CLT ou através de bolsas específicas como Rhae, DTI , tecnologista etc?
As oportunidades são: emprego como celetista, bolsa de estágio para alunos secundaristas e graduandos (programa interno, com seleção aberta definida pela diretoria do Centro), bolsas de pós-doutorado, bolsas de verão para alunos de graduação (programa interno, com seleção aberta definida pela diretoria do Centro) e bolsas de treinamento técnico de diversos órgãos de fomento.
- Quais as vantagens da formação em Bioquímica em relação a outros profissionais no mercado de trabalho acadêmico?
Certamente, uma correlação bem feita entre Biologia e Química. Geralmente, os profissionais brasileiros dedicados à biotecnologia são bons biólogos com pouco conhecimento químico ou bons químicos com pouco conhecimento biológico. Ter versatilidade nas duas áreas (ser capaz de compreender e correlacionar conceitos) é uma vantagem do bioquímico. No entanto, dependendo do nicho de pesquisa no qual o bioquímico vai atuar, essa característica pode não representar uma vantagem. No fim das contas, como a pesquisa atual é multidisciplinar, o mais importante é a capacidade de trabalho em grupo (diálogo compreensível com diferentes profissionais) e o esforço pessoal para adquirir novos conhecimentos (o que pode ser facilitado por uma formação básica de qualidade). Quanto ao mercado de trabalho não acadêmico em biotecnologia, é quase inexistente no Brasil atual, salvo honrosas exceções. Cabe aos bioquímicos, biotecnólogos, biomédicos e profissionais afins fundarem empresas (ou equiparem empresas já existentes) para produção de soluções em biotecnologia realmente úteis ao mercado nacional e internacional, como fazem Europa e EUA. Potencial biotecnológico o Brasil tem de sobra, escondido na Amazônia ou na Mata Atlântica (se é que restou alguma coisa desta). De forma geral, os profissionais brasileiros são pouco empreendedores - e essa não é uma limitação exclusiva de profissionais de biotecnologia. Esse é um problema geral, que envolve formação de recursos humanos, cultura do empresariado e burocracia estatal.
- Você acha que seja necessária alguma alteração na grade de disciplinas?
Em relação à grade que eu fiz (formei-me em 2007), vejo que farmacologia, patologia e experimentação animal foram os conhecimentos que mais me fizeram falta. Atualmente, a maior parte da pesquisa em biociências é voltada para a descoberta de novos fármacos ou à validação de alvos (biomoléculas) supostamente envolvidos com a etiologia e patogênese de doenças. Biologia celular experimental (cultura de células, citometria de fluxo e demais ensaios) também me fez falta. Os colegas bioquímicos que se enveredaram pela biologia estrutural sentiram falta de uma introdução a técnicas de biofísica (CD, DLS, fluorescência) e biologia estrutural (RMN, cristalografia) voltadas a biomoléculas, especialmente proteínas, disciplinas que exigem forte embasamento matemático e físico-químico. Por fim, oferecer atualização em técnicas de biologia molecular aos alunos, o que é realmente difícil, visto que essa área avança muito rápido. Por ser um curso pensado para área acadêmica (e não corporativa), é interessante que o bioquímico tenha uma base sólida em química, física e biologia. Mesmo que os conceitos mais modernos não sejam ensinados na graduação, uma formação básica de qualidade garante que esses conhecimentos sejam adquiridos facilmente depois. Na prática, é importante que o bioquímico estude física, química e físico-química, além da grade de biologia da qual já dispõe. Isso é sempre uma polêmica, pois as disciplinas de exatas e da terra são sempre as mais estressantes... mas, fazer o que? Dependendo da área de pesquisa à qual o bioquímico se dedicar, é com esses conceitos que ele deverá conviver (quer queira, quer não).
- Que conselhos daria hoje aos bioquímicos que estão na graduação?
Continuem o curso somente se vocês pretendem ser pesquisadores, professores ou empreendedores. Busquem saber como é a realidade dessas profissões no Brasil (ops... cientista não é considerado profissional no Brasil...). Se quiserem estudar biologia estrutural, façam física e físico-química. Se vocês estiverem pensando em ter uma profissão comum, com salário e carga horária bem definida, transfiram-se para cursos mais tradicionais, com conselhos de classe fortes, como farmácia e engenharias. Lembrem-se: o Brasil, infelizmente, ainda é o berço do "homem cordial". Gostaria apenas de salientar que o mercado de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia é um mercado difícil no Brasil, ainda dominado pelo setor público. O interessante é que não discordo da opinião do site: se o bioquímico "pensar fora da caixa" e olhar para outras carreiras, poderá ter novas e boas oportunidades. Saliente-se apenas que, nessas outras oportunidades, ele terá a forte concorrência de outros profissionais. Embora a pesquisa e desenvolvimento não sejam as únicas carreiras possíveis para o bioquímico, vale a pena discutir as dificuldades encontradas especificamente nessas áreas. Essa discussão pode ajudar a mudar a forma de pensar a pesquisa no país, o que é decisivo para o desenvolvimento econômico brasileiro: de um país consumidor de tecnologia para um país criador de novas soluções tecnológicas (de alto valor agregado).
Nota do editor 1: A carga horária para qualquer pesquisador (DE- Dedicação Exclusiva) é definida como 40 horas semanais. Fora da academia, em contratos CLT a carga horária é de 44 horas semanais, com banco de horas ou horas extras. Contudo, a pós-graduação, por atualmente não se enquadrar como regime trabalhista, não possui regimentos nesse sentido, tendo carga horária variável (20-60 horas semanais)

Nota do editor 2: O argumento da forte concorrência é utilizado muitas vezes como uma forma de desestimular a busca por outras carreiras que não a acadêmica. Entretanto, fortes concorrências ocorrem em várias áreas de atuação, tanto na academia quanto fora dela. A mesma concorrência que o bioquímico vê no mercado de trabalho com biólogos, biomédicos, farmacêuticos, químicos, agrônomos e vários outros profissionais se repete no meio acadêmico Na prática, dependendo da carreira escolhida, o bioquímico pode encontrar uma concorrência no mercado de trabalho formal ainda menor do que a existente no meio acadêmico. O diferencial aqui é o alinhamento dos interesses pessoais com o conhecimento dos lados positivos e negativos de cada área de atuação.

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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