Ex-alunos, um compromisso que se rompe na colação de grau?
No texto de hoje, uma reflexão delicada sobre o futuro do Bioquímico e seu papel na formação de novos profissionais, trazida pela Fernada Tonelli e Bruno Damasceno.
No período da criação do curso de Bioquímica no Brasil e sua pioneira implementação na Universidade Federal de Viçosa (UFV), considerava-se este como sendo o curso do futuro. No entanto, atualmente, este não é somente um curso do futuro; e sim o curso do futuro, do passado e, do presente. O futuro, continua o mesmo: promissor, mas incerto. A diferença está no presente e no passado: alunos formados, que podem servir como referência para os atuais alunos, dando-lhes orientações preciosas, algo que não era viável para os alunos das primeiras turmas de Bioquímica da UFV.
A comunidade de alunos formados, ou como nos tratamos, ex-alunos ou egressos, já é atualmente bastante numerosa e diversa. Alguns ex-alunos se tornaram pós-graduandos ou professores universitários em universidades públicas e privadas espalhadas pelo país, outros se tornaram profissionais concursados em diversos níveis em instituições como Embrapa, Inmetro, Policia Civil etc.. Outros estão trabalhando ou já trabalharam em empresas e indústrias privadas, como Vallee, Natura, VTT, BIOMM, TIAL sucos, Thermo-Fischer, dentre outras. E mesmo aqueles que criaram empresas como CentroInova, CellSeq e Invita Nutrição.
Desde que decidimos dedicar parte do nosso tempo para trabalhar na divulgação do curso de Bioquímica no país, percebemos um fato interessante: apesar das possibilidades de contato, em especial em redes sociais, existe um notório distanciamento entre atuais alunos e ex-alunos de Bioquímica; e mesmo entre os diversos ex-alunos este distanciamento pode ser notado. Este fato deve ser motivo de preocupações para todos, uma vez que dificulta ou mesmo impede a formação de referências e a transmissão de orientações para os atuais alunos. Além disso, o distanciamento impede novas e necessárias conquistas para transformar um curso em uma profissão devidamente conhecida e reconhecida no país:
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Reconhecimento pelo Ministério do Trabalho, reconhecimento da sociedade e união de classe com maior participação no sistema CRQ/CFQ ou em sistemas de conselhos profissionais vinculados a outros cursos de biotecnologia que possam surgir;
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Formação de uma associação de bacharéis em bioquímica, que possa representar os anseios dos bioquímicos perante sua profissão, sociedade e sistemas de conselhos como CRQ/CFQ ou conselhos de biotecnologia que possam ser criados no futuros;
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Empregabilidade e empreendedorismo do profissional bioquímico, através da criação de empregos e empresas nos mais diversos ramos relacionados a bioquímica e biotecnologia.
Por esta razão dedicamos o presente texto a discutir este prejudicial distanciamento e realizar uma reflexão acerca de a quem ele interessa. Trata-se de um problema sério, desconsiderado ou pouco debatido nas discussões de nossa comunidade e contra-produtivo para o futuro da Bioquímica.
A quem interessa esse distanciamento? O não conformismo como agente de mudanças.
O distanciamento entre Bioquímicos formados (em especial aqueles que não seguiram a via acadêmica) e entre estes com atuais alunos deve ser fonte de preocupações para toda a comunidade envolvida com a profissão “Bioquímico”: CAs, EJs, docentes, alunos e ex-alunos. Como já dito, este distanciamento prejudica a evolução do curso em profissão e o confina ao espaço acadêmico. Alguém conhece alguma profissão madura que seja unicamente voltada para pesquisa científica? Não existe!
Existe uma desconfiança histórica da comunidade de alunos de Bioquímica de que os cursos de graduação foram criados apenas para suprir mão-de-obra para programas de pós-graduação locais. Ainda hoje a maior parte dos egressos se torna aluno de mestrado e doutorado. Isto não seria um problema e não nos preocuparia se esta fosse de fato uma escolha. Ou seja, se os alunos não o fizessem apenas por não conhecerem outra realidade profissional e/ou pensarem que esta é a única opção restante. A entrada forçada em programas de pós-graduação pode oferecer um risco futuro de frustração com escassas perspectivas após um doutorado. Frustração esta que se volta contra o curso, contra os professores e contra alunos e ex-alunos que defendem o bioquímico apenas voltado para pesquisa. Frustração esta que será ainda mais dramática para aqueles que entraram no curso de bioquímica via cotas, e que almejam ascensão social através de um trabalho com remuneração justa e benefícios sociais, algo não encontrado em bolsas de pós-graduação.
Nenhum curso sobrevive e se torna profissão sendo apenas “fornecedor”de braços e cérebros para pós-graduação. Tampouco a bioquímica e biotecnologia brasileiras irão crescer repetindo esta estratégia de confinar profissionais nas pós-graduações e universidades. Muito menos a Universidade cumpre seu papel social mantendo recluso em si o profissional bioquímico. E é aqui que uma aproximação de atuais alunos e professores com ex-alunos que obtiveram êxito ao tentarem romper com o paradigma acadêmico pode ser de grande valia: oferecendo a oportunidade de fornecimento de informações relevantes sobre como abrir empresas, como procurar empregos, o que é o mercado de trabalho para o bioquímico na visão de bioquímicos (e não apenas mais de professores do curso de bioquímica), o porque não se deve limitar o bioquímico a biologia molecular de fronteira pesquisada na academia, dentre outros novos pontos de vista relevantes para o avanço do profissão no pais.
Outro importante fato que se percebe na historia do curso de bioquímica é a reação quase invariável de vários alunos em relação ao distanciamento do curso com relação ao mercado de trabalho, ex-alunos e alunos: ou um excessivo conformismo ou um excessivo criticismo, e ambos levam a poucas realizações para superar os problemas de cada curso de graduação em bioquímica existentes no país e da profissão.Cabe ao atual aluno não cair nesta armadilha do conformismo ou criticismo em excesso e, caso seja de seu interesse a atuação no mercado de trabalho, procurar orientações junto aos bioquímicos já formados e que atuam/atuaram em indústrias e empresas.
Não fique apenas com as opiniões de professores do curso, muitos dos quais nunca trabalharam no mercado de trabalho formal, fora da academia, e portanto não conhecem: as reais necessidades do mercado, e os passos para se criar uma empresa ou procurar um emprego. Não se deixem contaminar pelo pessimismo e criticismo em excesso e nem acreditem que possam existir salvadores da pátria entre ex-alunos e professores. Deve-se ter atitude, pró-atividade, organização, senso de oportunidade e antever tendências: buscando promover as mudanças necessárias, como por exemplo nas questões dos concursos públicos. Se achar válido tentar um concurso pois este se encaixa dentre as possíveis atuações do Bioquímico, não deixe que a ausência do termo Bioquímico dentre as profissões desejadas dos candidatos o detenha. Faça o concurso, e se aprovado, lute pela vaga! Entre em contato com o órgão do concurso e explique porque o bioquímico seria o melhor candidato a vaga. Se precisar, peça ajuda aos ex-alunos, entre em contato em mídias sociais ou pessoalmente. São estas iniciativas conjugadas à divulgação do curso que contribuem para que o termo “Bioquímico” conste no próximo edital.
Um terceiro fator de preocupação é a ausência ou pouca orientação e estimulo dos professores a incentivar alunos a cursarem disciplinas relacionadas ao mercado de trabalho não acadêmico (empresas/indústrias) ou mesmo incentivar a realização de estágios fora da academia. Logo, seria interessante que o professorado, atuais alunos e ex-alunos com enfoque academicista mudassem sua atitude e observassem o exemplo daqueles que já estimulam os alunos de Bioquímica a conhecerem outras oportunidades de atuação além da pós-graduação, em especial, ex alunos com experiências não acadêmicas. Que se espelhassem em professores que já almejam e trabalham em prol da aproximação entre empresas/indústrias e bioquímica, mostrando que os egressos já conseguiram conquistar diferentes nichos de mercado e que a pós-graduação é apenas uma dentre as opções de futura atuação. E ainda que esta, assim como qualquer das outras, deve ser escolhida por vontade, e não por falta de outras opções disponíveis no momento, como em indica a experiencia de vários dos ex alunos. Nesse sentido, diversos ex alunos relatam as tendencias mais fortes de emprego para o bioquímico nas seguintes áreas:
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Processos Fermentativos
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Controle Estatístico de Processos Bioquímicos
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Controle de Qualidade
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Boas Praticas de Laboratório e de Fabricação de produtos biológicos
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Bioquímica Clinica
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Analises de viabilidade técnico e econômica
Enfim, toda uma serie de paradigmas deve ser quebrada, algumas nem são de difícil implementação, como por exemplo, analises de viabilidade técnico e econômica, que poderia ser incentivado ao longo dos projetos de IC dos bioquímicos: basta contabilizar cada material a ser gasto e cada equipamento a ser utilizado, verificar o seu custo e montar planilhas e analises de custo e benefícios para se começar a ter noção de tipo de analise muito requerida em empresas e industrias.
Quebrar esses paradigmas é um trabalho exaustivo e duradouro, mas que acreditamos ser recompensador ao longo do tempo.
Quebrar esses paradigmas é um trabalho exaustivo e duradouro, mas que acreditamos ser recompensador ao longo do tempo.
A missão do Bioquímica Brasil: caso de sucesso na diminuição do distanciamento de alunos e ex-alunos.
O Movimento Bioquímica Brasil foi criado por alunos já formados com o intuito de divulgar os cursos de graduação em bioquímica e a profissão bioquímico para a sociedade brasileira, em especial, potenciais empregadores. Além disso, tem se movimentado no sentido de aproximar as figuras-chave vinculadas aos cursos e à profissão: alunos já formados, alunos atuais e professores. No espaço de 1 ano, completados em Fevereiro, o Bioquimica Brasil apresentou bons resultados:
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Vídeo de divulgação com mais de 2800 acessos, o que o coloca entre os mais vistos com o termo de busca bioquímico/bioquímica.
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Página no Facebook, com mais de 1500 curtidas (um patamar mais alto que paginas de algumas empresas farmacêuticas, por exemplo), na qual exploramos conteúdos relacionados à bioquímica, produzidos pelos bacharéis em bioquímica ou por outros.
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Blog com mais de 5000 visualizações, no qual exploramos textos e entrevistas feitos pelos próprios bacharéis em bioquímica, e explicamos um pouco sobre o curso, profissão e empregos vinculados ao bioquímico.
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Mudanças de paradigmas entre alunos, alunos já formados e professores, em discussões fomentadas em redes sociais.
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Aproximação com atuais alunos, através de novos membros do Movimento, que fazem parte também dos respectivos centros acadêmicos, trazendo a visão do atual aluno, juntamente com a do aluno já formado.
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Crescimento no numero de anúncios de emprego pedindo o Bacharel em Bioquímica.
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Respostas favoráveis de diferentes empresas à estratégia de divulgação, seja na forma de comentários positivos, abertura de oportunidades para emprego e/ou auxílio na divulgação do curso.
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Aumento na relação candidato-vaga nos processos seletivos de universidades que oferecem o bacharelado em bioquímica.
Todos estes resultados só foram possíveis porque inicialmente um grupo de ex-alunos se preocupou com as questões relativas ao curso e a profissão de forma a ultrapassar a barreira do mero criticismo e foram capazes de propor e executar ações para corrigir antigos problemas. A partir da aceitação da seriedade do movimento e de seus resultados, outros ex-alunos e alguns atuais alunos se aproximaram, e fomos capazes de liderar e aproximar alunos e ex-alunos para mudar paradigmas, conceitos e expor diferentes formas de ser bioquímico.
No entanto, o trabalho atual do Bioquímica Brasil ainda não é o suficiente. Precisamos na verdade de mais ex-alunos contribuindo para nosso movimento, e da construção de outros movimentos, compondo então um ecossistema de iniciativas capazes de expressar diferentes formas de ser bioquímico.
Outros instrumentos de aproximação das figuras-chave no cenário da bioquímica nacional e de divulgação devem ser criados. Grandes paradigmas ainda devem ser quebrados. A realidade atual ainda requer mudanças; então batalhemos para alcançá-las. Não nos conformemos! Ser Bioquímico é continuar a vestir a camisa, e não é um compromisso que finda com a graduação.
Veja o destino que alguns ex-alunos tiveram em suas carreiras após formados nesse link.
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