Grandes Centros de P&D: o Bioquímico no CTBE-CNPEM

por | jul 1, 2015

A Zaira Hoffmam, é bioquímica pela UFV (2006-2010), mestre em biologia funcional e molecular pela Unicamp, atualmente é analista de desenvolvimento tecnológico no CTBE-CNPEM e estudante de doutorado na Unicamp, em Campinas.
- (Bioquímica Brasil) Zaira, pode nos contar um pouco de sua trajetória acadêmica e profissional?
(Zaira) Ingressei no curso de bioquímica na UFV em 2006. Queria ser pesquisadora e confesso que naquela época, eu e meus colegas sabíamos pouco sobre o curso de bioquímica. A biotecnologia ainda não tinha espaço na mídia como tem hoje, creio que os transgênicos eram o único assunto discutido, por causa da polêmica em torno do tema. As disciplinas que fiz na graduação foram bastante abrangentes, enquanto muitos colegas direcionaram as optativas para as áreas animal ou vegetal, não cheguei a restringir minha grade por não ter certeza da área que gostaria de trabalhar depois de formada. Isso foi um pouco providencial, pois gostava muito da pesquisa aplicada a saúde humana no início do curso, e hoje meu trabalho é totalmente aplicado à indústria de química verde.
No final do ano de 2009, fui selecionada para ser bolsista de verão no CTBE, que na época se chamava Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, em Campinas, onde trabalhei por dois meses em um projeto na área de enzimas degradadoras de biomassa. Formei no final de 2010 e em março de 2011 ingressei no mestrado em biologia funcional pela UNICAMP, porém o projeto de pesquisa da minha dissertação foi desenvolvido na equipe do mesmo pesquisador que me orientou durante a bolsa de verão. Ingressei no doutorado também pela biologia funcional e molecular e ao fim do primeiro ano de doutorado fui contratada pelo CTBE para trabalhar em um projeto junto a uma empresa, na área de química verde.
- Hoje você é analista de desenvolvimento tecnológico no CTBE, regime CLT. Como você aplica a bioquímica aprendida na graduação no seu trabalho? No que difere o cargo de analista de um bolsista em termos de responsabilidades, atribuições, direitos e deveres?
O CTBE tem a necessidade de contratar profissionais em regime CLT para os projetos de pesquisa de empresas por causa dos acordos de propriedade intelectual. Nem sempre as empresas estão dispostas a dividir a propriedade intelectual e caso um bolsista de pós-graduação da UNICAMP (ou outra universidade colaboradora) trabalhe no projeto, a universidade também será autora da patente. Se a patente conta com a inclusão da universidade a burocracia é muito maior e isso às vezes torna o licenciamento e uso da tecnologia muito complexo e moroso. E tempo é dinheiro para a indústria. Além da própria questão financeira envolvida, algumas empresas compartilham tecnologias que estão sendo desenvolvidas em seus próprios centros de pesquisa para o andamento do projeto de interesse e, portanto, não quer expor os resultados em teses e congressos.
Foi nesse contexto que fui contratada pelo CTBE, para trabalhar em um projeto financiado por empresa. Estava fazendo doutorado quando me candidatei à vaga e fui selecionada, dessa forma quem tiver interesse pode ficar atento as vagas no site do CNPEM e se candidatar também para as entrevistas de recrutamento. As tarefas habituais do trabalho não são muito diferentes daquelas que um bolsista de pós-graduação tem durante sua pesquisa. A diferença é que não somos “donos” dos resultados da pesquisa, que pertencem ao empregador. Também temos acordos de confidencialidade assinados e eu não poderia, por exemplo, relatar qual empresa paga o projeto em que trabalho sem autorização prévia. É claro que ter os direitos trabalhistas é muito positivo.
 - No que o CTBE e o CNPEM como um todo difere do ambiente de uma universidade federal, quanto aos objetivos e ambiente de trabalho? Existe muita interação com indústrias e empresas?
O LNBio tem pesquisa em metabolismo de câncer, marcadores e desenvolvimento de câncer oral, pesquisa de fármacos (sintéticos e produtos naturais) por métodos de high-throughput screening, metaboloma de modelos biológicos tratados com novas drogas/cosméticos (por RMN), desenvolvimento de vetores virais para terapias anticâncer, biologia do desenvolvimento aplicado à cardiologia, biologia molecular de doenças cardiovasculares, interação planta-patógeno em citrus e produção de camundongos transgênicos para diversos fins. Também há pesquisa de biologia estrutural de proteínas relacionadas a câncer, contração muscular, receptores nucleares de hormônios esteróides e enzimas de aplicação biotecnológica (principalmente relacionadas ao etanol de 2a geração).
- No que o ambiente de trabalho do LNBIO difere de uma universidade federal? Existe interação com empresas e indústrias?
O CTBE é bastante diferente da universidade, pois o pesquisador não tem liberdade total para escolher o projeto e a linha de pesquisa em que deseja trabalhar, a pesquisa deve estar vinculada a algum tema estratégico orientado pela diretoria científica. Somos um centro de P&D estratégico do governo federal. Construiu-se o CTBE para atender algumas demandas específicas e importantes de determinado setor. Logo, nossos projetos de pesquisa precisam estar alinhados com essa missão maior. Além disso, por experiência pessoal, devo dizer que empresas que pesquisam no Brasil não demonstram interesse em projetos que estejam em fase embrionária, ou seja, dificilmente as empresas que pesquisam em nossa realidade financiarão um projeto que está mais do que cinco anos longe da escala comercial. As grandes empresas de química multinacionais estrangeiras possuem centros de pesquisa e verba própria destinada para projetos que são exploratórios, mas ainda não aplicam esse dinheiro no nosso país.
Ainda assim, existe muita interação com a indústria. Trabalhamos com usineiros, com empresas de química, com empresas de alimentação humana e animal, etc. É claro que alguns projetos estratégicos são tocados com recursos próprios do CTBE, mas a ordem geral do dia é interagir com empresas e aplicar os resultados das pesquisas. Fazemos desde pesquisa básica até a validação em escala piloto de protocolos que, em alguns casos, já vem prontos do parceiro da indústria. A maioria dos projetos nasce já em parceria com alguma empresa que demonstra interesse pelos possíveis resultados. Temos uma gestora de inovação que faz a ponte com a indústria e a prospecção de editais de financiamento.
- Como acontece o processo de transferência do conhecimento produzido em laboratórios do CTBE para a indústria?
Creio já ter adiantado parte da resposta no item anterior, mas muitos projetos já nascem em colaboração com a indústria. Isso se deve aos editais de financiamento da FINEP e do BNDES, que possuem linhas próprias para biotecnologia, mas que exigem em alguns tipos de convênio que seja a empresa privada que submeta o projeto. Dessa forma, nós desenvolvemos os protocolos do projeto e testamos as variáveis em escala laboratorial e depois dessa fase, levamos o projeto para a escala piloto. Para ir para a escala comercial, antes deve haver produção em escala de demonstração, que fica sob responsabilidade da empresa parceira. Para atuar na planta piloto o bioquímico deve fazer as disciplinas exigidas pelo CRQ, como operações unitárias, fenômenos de transporte, cinética de processos. Os conhecimentos da planta piloto estão muito ligados à engenharia e de fato são necessários conhecimentos específicos de transferência de calor e massa, por exemplo, para o escalonamento de um processo. Temos que ter em mente que os projetos de pesquisa aplicados são simples do ponto de vista de conhecimentos exigidos de cada formação, porém complexos do ponto de vista das competências requeridas. Para ser mais clara: se queremos tirar uma molécula dos artigos e levá-la para a comercialização, precisamos de um protocolo bem desenvolvido em laboratório e são os erros no laboratório que rotineiramente fazem o projeto falhar em escala piloto, precisamos de cálculos de custo de oportunidade e cálculos de investimento em bens de capital, precisamos de gente que saiba especificar quais válvulas e tanques utilizaremos em um determinado tipo de processo, apenas para citar exemplos. Ou seja, são muitas competências e mais importante do que possuir todas elas, o que é impossível, é saber aplicar os conhecimentos em equipes e projetos multidisciplinares e respeitar a formação e o conhecimento dos colegas de equipe.
- Que oportunidades não acadêmicas o CNPEM oferece a um bioquímico?
O CNPEM, do qual o CTBE é uma unidade, abre as vagas de contratação sempre no site, por isso é importante ficar atento às atualizações. As vagas são sempre abertas com um descritivo das competências e habilidades exigidas e se você se encaixar em parte delas pode se inscrever que o RH fará a triagem para as entrevistas. O CNPEM mantém ainda o Programa Bolsas de Verão e o Programa de Estágio, cujas seleções sempre acontecem no segundo semestre. Vale ressaltar que os bioquímicos também têm bastante oportunidade no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), para aqueles que tem interesses em pesquisas para o desenvolvimento de fármacos para doenças negligenciadas, câncer, e demais áreas da saúde humana. Os bioquímicos podem trabalhar como analistas, cargo que pode ser ocupado apenas com graduação. Também como pesquisadores, desde que possuam doutorado, e em alguns casos pós-doc no exterior é exigido, e como especialistas, cuja formação com doutorado também é praticamente requerida.
- Quais as vantagens da formação em Bioquímica que você percebe como determinantes para o P&D vinculado a indústria? E quais as habilidades não-técnicas (humanísticas) necessárias para se ter sucesso nessa área?
A vantagem que temos é uma formação diferenciada e abrangente, que permite interagir solidamente com outras áreas do conhecimento. A proatividade e a boa colaboração com os colegas de equipe são fundamentais em se tratando de áreas humanísticas. É preciso ser generoso e compreensivo quando se trabalha em equipes com pessoas que possuem formações e histórias de vida bastante diferentes. A pesquisa, por natureza, não possui fronteiras de nacionalidade e de nenhum outro tipo; então precisamos estar preparados para interagir com costumes e pessoas bastante diferentes dos nossos.
- Você acha que seja necessária alguma alteração na grade de disciplinas?
Não sei necessariamente se é necessário alterar a grade de disciplinas, mas sinto falta em minha formação de programação de computadores e conhecimentos de engenharia metabólica, como análise e cálculos de fluxo metabólico. Estatística para planejamento experimental também é muito importante. É claro que a graduação não consegue suprir todas as demandas, mas esses conhecimentos deveriam ser abordados. A área de química verde vem crescendo lentamente, mas de forma sólida, e é uma área em que os bioquímicos que possuem esses conhecimentos conseguem fazer realmente a diferença, na otimização e na construção de linhagens de micro-organismos através da manipulação de vias metabólicas. As áreas em que um bioquímico pode atuar estão sobrepostas com os biólogos e biotecnólogos, e se queremos um curso de bioquímica diferente, o conhecimento nessas áreas tem que ser aprofundado para ser diferencial.
Os departamentos de recursos humanos de todas as empresas estão abarrotados de currículos de alunos de cursos diferentes de todos os lugares do Brasil, então faremos a diferença apenas com o exemplo. Estudantes graduados com formação sólida ingressando no mercado são a melhor propaganda para o curso de bioquímica. Conseguimos desenhar experimentos sem erros metodológicos, pois entendemos como os métodos funcionam e nossa formação tem que focar esse aspecto de qualidade. Mais disciplinas que fujam do conhecimento apenas expositivo tendem também a ser positivas, um bom exemplo da minha época de formação era a disciplina de métodos enzimáticos.
- Você é tida como uma das primeiras lideranças da Bioquímica UFV a buscar a interação com alunos de outros cursos de bioquímica. Como você vê essa interação hoje? E como você vê a profissão nos dias de hoje?
Se queremos consolidar a bioquímica como um novo curso no Brasil, tendo em vista que ainda somos poucos, temos que estar afinados. Quanto mais integrada for a nossa formação, melhor será para sermos reconhecidos e termos uma identidade profissional clara. Quando minha turma entrou na graduação os investimentos em biotecnologia eram uma promessa. Hoje, falando aqui pela região de Campinas são realidade. A região de Campinas é tida como uma espécie de Vale do Silício Brasileiro e atualmente abriga alguns centros de pesquisa de biotecnologia de algumas empresas: Braskem, BioCelere da GranBio, Rhodia, DSM e muitos outros. O governo esteve investindo bastante em biotecnologia nos últimos cinco anos, as agências de fomento estão atentas ao movimento mundial da biotecnologia e querem que o Brasil desponte nesse setor. Óbvio que estamos em ano de reorganização financeira devido ao desaceleramento da economia, mas não vejo indicação que essa corrente pró-biotecnologia vá cessar. Creio que após a crise os investimentos tendem a acelerar novamente, porque a maior força nesse sentido é estatal. As empresas brasileiras inovam muito pouco, não entendem que a pesquisa é um investimento. E as empresas multinacionais possuem seus centros de pesquisa no exterior, com muito dinheiro e mão de obra qualificada. Por isso, a maior força propulsora da biotecnologia no Brasil é o Estado, ao financiar o desenvolvimento de projetos pelas empresas. Vale ressaltar que essa não é uma característica apenas do Brasil. As empresas escolhem os países com as condições mais favoráveis para investir, por isso o papel fundamental do governo e a formação em bioquímica para essas novas necessidades do mercado.
- Que conselhos daria aos bioquímicos que estão começando agora?
Dediquem-se o máximo que puderem, sempre há espaço para bons profissionais. Para quem deseja trabalhar para a indústria ou iniciativa privada ao final do curso, estejam preparados para enfrentar os programas de trainee. As vagas são poucas e muito concorridas, conheço alguns profissionais que entraram em empresas multinacionais por programas de trainee, um deles me contou que antes de passar prestou cerca de 50 processos seletivos. Quero dizer que é difícil os bioquímicos entrarem no mercado em boas posições, mas também é difícil para os outros cursos. O que você pode fazer para ter um diferencial então? Se preparar o máximo que puder, procurar vagas de estágio na área que te interessa, participar de centros acadêmicos e empresas juniores, e estudar outros idiomas. No final a dedicação com que você leva essas coisas é o que faz a diferença do conjunto. Mas mesmo quem vai para a indústria, se quiser subir na carreira, principalmente para os funcionários de PD&I, vai ter que fazer mestrado e doutorado. O sonho de alguns trainees de PD&I que eu conheço é ser liberado pelo diretor para fazer pós-graduação. Então fazer pós-graduação direto ao final do curso, que é visto como um mal negócio por algumas pessoas, posso dizer pela minha experiência que não é, se você tiver certeza que depois deseja trabalhar na sua área de especialização. Mas nada cai do céu, e no final, o que conta são as oportunidades que você cria e a sua preparação para aproveitar as oportunidades que surgirem espontaneamente.

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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