Início da Era 2G: O Etanol de segunda geração numa análise econômica

por | mar 11, 2016

Os desafios técnicos do etanol de segunda geração (2G) já foram abordados em artigos anteriores aqui no Bioquímica Brasil. Seguindo nossa série “O Início da Era 2G”, hoje temos uma análise feita pelo Alex Gazolla de Castro das perspectivas econômicas do etanol 2G para a próxima década. Confere aí!
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Ao redor do mundo, diversos países estão propondo diretrizes e metas a fim de fomentar o uso do etanol. Por exemplo, a União Europeia pretende substituir 10% de todo combustível fóssil por fontes renováveis até 2020, em uma diretriz semelhante à China. A Tailândia já está em processo de incorporação de 20% de combustível etanol em sua frota, estimando alcançar essa meta até 2017. Alguns países nórdicos, como a Suécia, pretendem tornar todo transporte industrial livre de combustíveis fósseis. Investimentos dessa magnitude esperam retornos equivalentes. Então, o que esses países estão enxergando?
Uma resposta plausível é o avanço gradual e sólido das tecnologias do etanol 2G. Estima-se que a utilização de materiais como bagaço de cana-de-açúcar, palha e sabugo de milho e soja promoveria um aumento da produção do etanol em até 40% por hectare. Detalhe: o Brasil é o maior produtor de cana-de açúcar do mundo! O consumo nacional de etanol somente no mês de outubro/2015 alcançou o valor de 1,75 bilhão de litros, um novo recorde para o mercado. Como se não bastasse, alguns estudos recentes do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) indicam que aumentar o teor de etanol na gasolina de 27% para 27,5% é tecnicamente viável. Em suma: não poderia ser mais clara a posição estratégica do mercado brasileiro não só na produção de biocombustíveis, mas também no desenvolvimento de tecnologias 2G.
Mas embora comercialmente viável, alguns desafios devem ser vencidos. E quando o mercado diz 'desafios', a inovação ouve 'oportunidade'.
I) DESAFIO CIENTÍFICO
As principais etapas envolvidas - pré-tratamento, sacarificação e fermentação - apresentam desafios centrais a serem vencidos que impedem a eficiência máxima do processo. O pré-tratamento carece de um método capaz de separar celulose, hemicelulose e lignina com alta eficiência e sem danificar a estrutura dos polímeros de interesse. Todos os diversos métodos atuais apresentam desvantagens econômicas e para obter algum método fisico, biológico ou químico eficaz, é necessário uma palavra-chave: inovação! E não pensem em "inovação" como "desenvolver uma técnica nunca vista antes!"; Inovação também é elaborar métodos novos combinando tecnologias já existentes. Combinar as técnicas e alcançar um resultado melhor que todas as metodologias atuais é tão (ou mais) eficiente quanto criar uma nova técnica.
Em etapas como a sacarificação, contextos bioquímicos e de engenharia são explorados. Bioquimicamente falando, de forma geral, a composição desses polímeros é complexa e a hidrólise se dá através da utilização de enzimas. Aí vem a questão central do processo: uma enzima só será capaz de promover a hidrólise do polímero ou será que um coquetel de enzimas diversificadas seja mais eficiente? Será que conseguimos prospectar novas enzimas com eficiência melhor? Será que todas elas tem funcionalidade otimizada nas mesmas condições de temperatura, pH e concentração de substrato? É fácil produzir esse coquetel? Existe algum organismo que produz um conjunto grande enzimas lignocelulósicas, que eu posso utilizar como base na sacarificação? Considerando uma visão mais voltada pra Engenharia, é importante considerar: como manter um reator funcionando com um balanço enzima/substrato? Além disso, como remover o produto da sacarificação?
E eis que surge os impecílios da fermentação. Uma proposta já conhecida é realizá-la simultaneamente à sacarificação; dessa forma, quando os monômeros são liberados, o organismo fermentador simplesmente converte-o em etanol. Mas como será que ambos processos ocorrem em temperaturas compatíveis? Será que o microrganismo (levedura) utilizado será capaz de suportar o estresse osmótico? Cada uma dessas perguntas tem um potencial combinatório de inovação imenso! É preciso frisar novamente: os desafios são muitos e oportunidade inovar é o que não falta!
II) DESAFIO INDUSTRIAL
Escalonar processos industriais para produção de etanol 2G com máxima eficiência é um desafio e tanto. Existem relatos de processos eficazes em escala laboratorial que falharam miseravelmente em nível industrial. Apesar disso, nem tudo é dor e sofrimento: no final do ano de 2014, o estado de Alagoas inaugurou sua primeira indústria de produção de etanol 2G. A BioFlex 1, unidade construída em São Miguel dos Campos pela GranBio, tem uma capacidade produtiva de 82 milhões de litros de etanol 2G por ano. Esta é considerada a maior indústria de etanol 2G no mundo e foi construída a partir de um investimento de U$ 265 milhões. A estratégia da BioFlex 1 é recolher todo material lignocelulósico dos agricultores da região e utilizar para produção de bioetanol bem como para co-geração de energia - limpa, sustentável e economicamente viável.
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III) DESAFIO ECONÔMICO
Mundialmente, no ano de 2014, o Brasil produziu cerca de 6,2 bilhões de galões de etanol, cerca de 1/4 da produção mundial, mas bem inferior aos 14,3 bilhões de galões produzidos pelos Estados Unidos - responsáveis por mais da metade de todo etanol produzido no globo. Considerando que a produção de etanol no Brasil (início dos anos 70) e nos Estados Unidos (início dos anos 80) tiveram origem em um período histórico semelhante e que o Brasil utiliza cana-de-açúcar (considerada a planta com maior produtividade) como fonte primária nos processos, por quais motivos nosso país ficou tão atrás nessa corrida?
A resposta é INVESTIMENTO! Enquanto o governo norte-americano investe massivamente em subsídios (agrícolas e industriais), nosso país não apresentou programas sólidos de investimento em tecnologias novas. Além disso, a alta taxa de impostos cobrada afasta potenciais investidores do mercado. A crise global afetou diversos produtores de cana-de-açúcar brasileiros, ao ponto em que um a cada seis produtores estão sob proteção contra falência. Pra piorar, o governo brasileiro iniciou subsídio dos preços da gasolina em 2010, enquanto o setor de biocombustíveis ficou a deriva.
Pelo menos o panorama promete mudar no Brasil: para a safra de 2024/2025, estima-se um crescimento de 41% na produção de cana, alcançando uma produção próxima de 850 milhões de toneladas. Espera-se também um crescimento de 68% da produção de etanol combustível, gerando um aumento de exportação de 54% bem como um aumento de 65% da demanda doméstica. Por fim, a produtividade estimada (tonelada de cana por hectare) será 19% superior e grande parte da cana (59%) será destinada à produção de etanol.
Ainda, entidades, como o BNDES e a empresa Raízen, têm contribuido para o crescimento do setor no Brasil. Enquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social promove seminários em parcerias com grandes investidores (ver referências), a Raízen promete investir U$ 2,5 bilhões (até 2024) para alavancar a produção de etanol 2G. A estimativa é que, em 2025, a demanda por etanol combustível alcance 400 bilhões de litros, quatro vezes maior que a produção atual.
O que eu vejo disso? Dá pra abocanhar uma parcela - e tanto - de um mercado que não pode ser ignorado!

por Alex Gazolla de Castro, graduado em Bioquímica pela UFV e doutorando em Bioquímica Agrícola pela UFV.

 

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O movimento Bioquímica Brasil foi fundado em 2014 por egressos e estudantes dos cursos de Bioquímica.

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