O Bioquímico Empreendedor: o caso Invita Nutrição Especializada
O Carlos de Oliveira Lopes Jr. é bioquímico pela UFV (2002-2006), pós-graduado em Gestão Empresarial (PUC-MG) e Mestre em Ciência de Alimentos (UFMG). Atualmente é Diretor executivo e sócio fundador da Invita Nutrição especializada.
- (Bioquímica Brasil) Carlos, você poderia nos contar um pouco mais sobre sua trajetória científica e profissional? Que estágios de iniciação científica você fez, o mestrado...
(Carlos) Durante a graduação estagiei no Laboratório de Bioquímica Animal e também fiz um estágio na empresa Instituto Inovação. Durante este estágio tive meu primeiro contato com a possibilidade de transformar conhecimentos e pesquisas que eram desenvolvidas nos laboratórios da universidade em produtos e empresas. Tive a oportunidade de estudar tecnologias desenvolvidas por pesquisadores da UFV com uma metodologia que visava entender questões além das técnicas, como aplicação e interesse comercial, escalabilidade, mercado, retorno financeiro dentre outros. Em meu mestrado busquei um local em que tivesse linhas de pesquisas e posicionamento que me permitiria trabalhar com um projeto que tivesse aplicação comercial ou ao menos sinergia com meus interesses em levar uma tecnologia ao mercado, e atuei com desenvolvimento de produtos para pacientes com doenças raras.
- Hoje você é um dos sócios da Invita Nutrição (anteriormente Edetec). O que te motivou a abrir uma empresa? Pode nos contar mais sobre a Invita e seus produtos?
A Edetec Indústria Alimentícia S/A foi criada para que pudéssemos levar à sociedade os resultados dos trabalhos que eram desenvolvidos em nosso laboratório de pesquisa. Após algumas análises e tentativas entendemos que somente migrando das atividades de pesquisa na universidade para uma empresa independente conseguiríamos fazer com que o trabalho desse origem a produtos que pudessem enfim ser utilizados pelos consumidores e atingirem seu benefício. Quatro anos após sua fundação, a Edetec recebeu investimentos do Criatec – um fundo de investimentos, de iniciativa do BNDES, de capital semente destinado à aplicação em empresas emergentes inovadoras. Esse investimento nos trouxe maturidade e condições para que realizássemos nosso projeto. Nossa plataforma tecnológica nos permitia atuação em diferentes áreas, e a que mais se desenvolveu e trouxe resultados foi a que trabalhávamos produtos destinados à nutrição clínica. Para isso criamos a Invita Nutrição Especializada – que é uma unidade de negócios da Edetec dedicada ao desenvolvimento, produção e comercialização de produtos destinados à pacientes com doenças metabólicas, alergias alimentares e outras condições especiais que possuem tratamento dietoterápico.
Atualmente nossos produtos são vendidos quase exclusivamente por meio de licitações, fornecemos nossos produtos a mais de 25 diferentes cidades em todas as regiões do Brasil. Ressalto que somos a única empresa nacional que fabrica alguns dos produtos da nossa linha sendo nossos principais concorrentes a Danone, Nestlé e Mead Johnson.
- Como você aplica os conhecimentos aprendidos na graduação em bioquímica no dia a dia da Invita?
Há algum tempo minhas atividades, por interesse e aptidão, estão mais ligadas às atividades executivas da empresa. Mas somos uma empresa que desenvolve produtos utilizados para tratamento dietoterápicos de doenças graves, de crianças inclusive, e neste sentido minha origem como pesquisador é muito importante, pois gera credibilidade e confiança em nosso trabalho. Ainda, o P&D é constante em nosso dia a dia, logo a todo momento os conhecimentos científicos são importantes.
- Quais são as principais dificuldades para um bioquímico construir sua própria empresa nos dias de hoje? No caso, você e seus sócios contaram com o fundo Criatec, do BNDES, como foi essa experiência de se relacionar com investidores?
As dificuldades não se restringem aos bioquímicos! De uma forma geral o empreendedorismo, seja como disciplina ou como cultura, está presente em poucos cursos de graduação. E em alguns ambientes acadêmicos não é bem visto. Ainda tratamos o empreendedorismo e forma isolada como disciplinas ou cursos, mas na verdade temos que buscar um formato em que a cultura do empreendedorismo esteja de forma horizontal, permeando todos os cursos e disciplinas.
Algumas dificuldades se devem à falta de conhecimento sobre áreas como administração e finanças, mas para mim o maior problema é a falta da cultura do empreendedorismo, que faz com que os graduandos muitas vezes nem saibam que essa opção existe! Ou a vejam como muito distante da sua realidade. O resto a gente aprende e faz acontecer!
O fato de termos sido investidos (investimento do Criatec) nos fez amadurecer muito mais rapidamente. A visão de negócios e as competências de gestão trazidas foram, ao meu ver, mais importantes que os recursos financeiros aportados.
- Você foi um dos poucos de sua época a seguir para a área de Bioquímica de alimentos e ate hoje ainda são poucos os que rumam para essa área (muitos bioquímicos se prendem ainda a biologia molecular). Quais as oportunidades que você enxerga para o bioquímico nesta área de alimentos?
A indústria de alimentos apresenta elevado crescimento e ainda é muito atrasada tecnologicamente! A maioria das mudanças está associada à tecnologia de alimentos. Existe uma tendência de se consumir alimentos cada vez mais funcionais abre um espaço para aplicação da bioquímica, inclusive a molecular. Não estou falando do conceito superficial de alimentação funcional, mas sim de alimentos processados ou não, que combatem ou tratam doenças, distúrbios, etc com componentes altamente tecnológicos desenvolvidos. Para exemplificar, grandes corporações registram patentes, a todo momento, de peptídeos bioativos para tratar problemas como hipertensão e já estão incorporando esses peptídeos em alimentos.
- Que habilidades não técnicas um bioquímico deve desenvolver para ser um bom empreendedor em biotecnologia, de acordo com sua experiência?
Bem, eu ainda estou tentando encontrar essa resposta e trabalhando diariamente para me aproximar a este conceito de bom empreendedor. Realmente esta é uma questão muito delicada pois não creio que haja uma receita ou conjunto de habilidades pré-determinadas. Porém é necessário que a pessoa entenda se realmente é este o caminho a ser escolhido pois as dificuldades são muitas e durarão por muito tempo. A Edetec existe desde 2006, mas apenas nos anos de 2013 e 2014 tivemos desempenho satisfatório e ainda temos muito, mas muito o que avançar. Creio que conviver com o risco, com a incerteza e a dedicação para carregar a empresa “nas costas” é necessária.
- Você é um dos poucos ex-alunos (bioquímicos formados) que procura interagir com os atuais alunos através de palestras dadas em Simpósios e Semanas Acadêmicas dos cursos de Bioquímica. Como você vê a importância do bioquímico formado para as novas gerações de bioquímicos ?
Acho essa atividade muitíssimo importante e gostaria de fazê-la com mais frequência inclusive. É algo que sinto prazer e obrigação em fazer. Como comentei, muitas vezes o estudante nem sabe que determinado caminho existe, e cabe a quem já deu alguns passos a mais compartilhar sua experiência. Muitas vezes nessa oportunidade o graduando pode conhecer e criar sintonia por um determinado caminho, entender melhor sua situação, e as vezes esse compartilhamento leva ao menos à tranquilidade necessária para que o graduando continue buscando seu próprio caminho.
- Você pensa que alguma alteração na grade de disciplinas poderia favorecer a atuação do Bioquímico na área de bio-empreendedorismo?
Com relação ao empreendedorismo não vou falar sobre mudança na grade, mas acredito que disciplinas ligadas à administração, finanças podem auxiliar. Mas creio que seja importante haver espaço na grade para que o aluno possa escolher disciplinas diversas de forma a individualizar sua grade e consequentemente direcioná-la a um caminho. Hoje existem programas externos à grade curricular (agencias de fomento governamentais, programas dedicados a alunos de pós graduação, programas de incubação e aceleração de empresas, dentre outros) e oportunidades que podem ser utilizadas na formação empreendedora ou até mesmo na constituição do seu negócio. Não acredito que a inclusão de disciplinas melhore a formação empreendedora, mas sim o espaço para que os interessados possam buscá-las!
- Com relação a sua experiência, que conselho daria aos futuros Bioquímicos?
Conselho é sempre muito complicado pois cada um vive uma realidade, mas seguem alguns. Não aceitem ser coadjuvantes de sua própria história! Vocês podem construí-la, e o melhor, reconstruí-la sempre que quiserem ou que for preciso. Não percam tempo buscando o melhor caminho, busquem o seu caminho e, calma, dará tudo certo!
Lembrem-se a universidade não se resume a seu curso, grade curricular ou ao seu laboratório, existe um universo ao seu redor, explore-o ao máximo! Realmente nunca sabemos de onde virá a inspiração. O meu estímulo, que determinou o caminho que eu segui, foi um estágio que podia ser para alunos de qualquer curso e não impactava diretamente em nada no meu currículo de bioquímico!
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