O Bioquímico na Fiocruz-BioManguinhos: Controle de Qualidade de vacinas e biofármacos
A Samara Graciane da Costa, Bioquímica pela UFV (2007-2011), mestre em Bioquímica Agrícola pela UFV, atualmente é doutoranda no IOC-Fiocruz e técnica em saúde pública concursada, atuando na área de controle de qualidade de biofármacos e vacinas em Bio-Manguinhos-Fiocruz.
- (Bioquímica Brasil) Samara, você poderia nos contar um pouco mais sobre sua trajetória científica e profissional da graduação até hoje?
(Samara) Durante a graduação estagiei no Laboratório de Tecnologia Bioquímica de 2008 a 2011 e durante este período desenvolvi projetos na área de enzimologia e bioquímica, com o estudo de enzimas fúngicas com potencial uso para produção de bioetanol. Durante o estágio tive a oportunidade de desenvolver minhas habilidades na pesquisa, fazendo da enzimologia minha área de maior interesse. Assim iniciei o mestrado em Bioquímica Agrícola na UFV dentro desta mesma área, mas devido a convocação para a FIOCRUZ os trabalhos foram finalizados no IOC/ FIOCRUZ.
Ainda durante a graduação fui aprovada para o concurso da FIOCRUZ na área de Controle de Qualidade em Processos Imunológicos. Trabalhar na FIOCRUZ me deu a oportunidade de entrar no mercado, adquirir experiência e conseguir os direitos que não possuímos enquanto estudantes. Como profissional tive a oportunidade aprender sobre o processo de produção de vacinas e envase de biofármacos, além de auxiliar na implementação de um novo processo para melhoramento da metodologia de controle dos produtos por aspecto visual. Infelizmente mesmo em instituições de pesquisa como a FIOCRUZ, podemos encontrar empecilhos para a continuação dos estudos, principalmente em casos como o meu, em que trabalho em laboratório de controle não voltado para o desenvolvimento. Em 2014 entrei para o Doutorado em Biologia Celular e Molecular do IOC/FIOCRUZ e agora me encontro na Universidade de Lancaster/Inglaterra para desenvolvimento de parte do meu trabalho envolvendo o estudo de enzimas digestivas em vetores de Leishmaniose.
- Como você aplica os conhecimentos aprendidos na graduação em bioquímica no dia a dia de Bio-Manguinhos ? No que difere o seu dia a dia no controle de qualidade de vacinas e biofármacos para o mundo da pesquisa universitária e do IOC?
O Em Bio-manguinhos atuo no laboratório de controle de qualidade físico-químico na análise do produto final. Sendo assim realizo análises de vacinas, biofármacos, produtos intermediários e diluentes. Dentro das diversas técnicas utilizadas posso citar a quantificação de diversos íons na análise de água (cálcio, sulfato, cloreto), técnicas de potenciômetria, densitometria, coulometria, titulação, cromatografia (FPLC e HPLC), cromatografia de íons, infravermelho, absorção atômica, cromatografia gasosa (ICP), espectrometria de massas, entre outras.
Estando dentro do controle de qualidade em Bio-Maguinhos, meu trabalho não é voltado para pesquisa mas para a realização de testes para que os produtos sejam liberados. Sendo assim a grande diferença está nas normas e regulamentações. Todos os testes devem ser padronizados, validados e para realização devemos sempre utilizar os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs). As farmacopeias são utilizadas como padrões legais para desenvolvimento dos testes, USP (United States Pharmacopeia), Farmacopéia Europeia. Além disso estamos sempre trabalhando com metas e passamos por diversas inspeções ao longo do ano como ANVISA, OMS para verificação do atendimento quanto as normas de boas práticas de fabricação, biossegurança e etc.
Na pesquisa acadêmica possuímos mais liberdade para o desenvolvimento de novas ideias, realização de experimentos, erros e acertos. Possuímos mais liberdade para condução de nossos próprios projetos.
- Existem oportunidades para bioquímicos atuarem sem serem concursados em Bio-Manguinhos?
Sim. O corpo de funcionários de Bio-Manguinhos é composto em sua grande maioria por trabalhadores terceirizados. Os concursos públicos devido a demora de autorização, realização e convocação, não conseguem suprir a mão-de-obra necessária para atender a demanda de produção e desenvolvimento de novos produtos. Infelizmente devido a desvalorização do trabalho para a nossa área o valor pago um contratado terceirizado para nível superior se compara com o salário de um técnico concursado. Dentro de Bio-Manguinhos temos diversas áreas laboratoriais como o controle de qualidade e desenvolvimento e posso dizer que o perfil do bioquímico se encaixa em praticamente todos os laboratórios. Desde o controle de qualidade Físico-químico, microbiológico ou controle de reativos, assim como nos laboratórios de desenvolvimento tecnológicos em que possuímos os programas de vacinas bacterianas, vacinas virais, biofármacos e de reativos para diagnóstico.
- Como você vê a maturação da produção de vacinas, biofarmacos e kits de diagnostico no pais em função das PDP s? Existe uma grande expectativa de geração de vagas de emprego em instituições publicas como Bio-Manguinhos, Butantan, Vital Brazil, Ezequiel Dias, Hemobrás ou mesmo empresas privadas como Cristália?
Eu vejo as parcerias de desenvolvimento produtivo como um avanço para a produção nacional de medicamentos, ainda temos muitos produtos importados de outros países e a carência de produção nacional dificulta o acesso da população além de aumentar os gastos com medicamentos. No caso de vacinas e biofármacos muitos produtos são produzidos no exterior e apenas envasados no Brasil o que aumenta o custo. A transferência de tecnologia entre empresas privadas e o governo é uma prática antiga, principalmente devido a dificuldade e demora no desenvolvimento de produtos brasileiros, neste caso as PDPs foram um acordo para acelerar este processo.
Para quem não está integrado no assunto, nas PDPs, o Ministério da Saúde faz acordos com laboratórios privados e no prazo de cinco anos eles devem transferir aos laboratórios públicos brasileiros a tecnologia para produção de determinado medicamento. Durante este período o laboratório privado tem exclusividade na compra do produto, sendo estes responsáveis pela produção do princípio ativo e transferência de tecnologia para o laboratório público.
A burocracia do nosso sistema público dificulta muito a compra, desenvolvimento e melhoramento dos laboratórios públicos, sendo assim possuímos um impasse, pois será que os laboratórios públicos mesmo com a transferência de tecnologia serão capazes de produzir e atender a demanda nacional em cinco anos?
- Quais habilidades técnicas você acha que um bioquímico deve ter para atuar no controle de qualidade de vacinas e biofarmacos? Que disciplinas da grade da UFV você acha que deveriam ser cursadas para esta atuação? Alguma alteração na grade ou disciplina nova poderia favorecer esta atuação?
De forma geral um analista em controle de qualidade é responsável por garantir o padrão de excelência de um produto, no caso de vacinas e biofármacos esta excelência torna-se mais crítica pois estamos lidando com saúde. Quando se trabalha no controle de qualidade pode-se atuar desde o insumo utilizado para manufatura do produto até a análise do produto final. Sendo assim o bioquímico que deseja atuar na área de controle de qualidade deve desenvolver um senso de observação e atenção, para que mesmo pequenos defeitos que não causem problemas ao uso do produto não passem ao mercado. Além de possuir capacidade de analisar problemas que possam ocorrer durante as etapas de produção e tentar minimizar erros presentes nos métodos de análises, pois necessitamos de uma alta confiabilidade nos resultados de medição.
A grade do curso de bioquímica supre o necessário para atuar na área de controle de qualidade de vacinas e biofármacos, as disciplinas a serem cursadas dependem muito da área de atuação mais de uma maneira geral, posso destacar a necessidade de disciplinas como, imunologia, biologia molecular, microbiologia, biologia celular, para a área de controle de qualidade microbiológico e disciplinas como físico-química, química analítica, bioquímica analítica, métodos instrumentais de análise, estatística, para atuar no controle de qualidade físico-químico.
- Em sua opinião, o que se deve fazer para que nos próximos concursos das instituições publicas acima citadas, em especial, Fiocruz, o Bioquimico esteja presente nos editais?
A melhor maneira continua sendo a divulgação e expansão dos cursos de bioquímica, fazendo com que os profissionais destas instituições conheçam o profissional bioquímico em sua essência. A visitação e desenvolvimento de parcerias com as empresas, por exemplo, é um tema muito importante a ser introduzido nos cursos de bioquímicas para divulgação do profissional, durante as visitas é possível para aluno conhecer o funcionamento de uma indústria e ao mesmo tempo permite que os profissionais presentes na indústria conheçam os profissionais bioquímicos.
- Como você vê a importância do bioquímico formado para as novas gerações de bioquímicos? Com relação a sua experiência, que conselho daria aos futuros bioquímicos?
Os bioquímicos formados podem ajudar a formar uma base mais sólida no mercado de trabalho para os futuros bioquímicos ajudando na divulgação do nosso curso e de nossa capacitação. Assim como, baseado na experiência profissional e no conhecimento das necessidades do mercado, ajudar a melhorar a grade do curso de bioquímica com a inclusão de outras atividades para que os alunos possam conhecer as oportunidades dentro da indústria ou da área acadêmica.
Enquanto estamos na faculdade muitas vezes o meio acadêmico parece o caminho mais fácil a seguir, mas o curso de bioquímica com sua multidisciplinaridade permite a formação de profissionais com conhecimentos aplicáveis em diversas áreas tanto dentro da área acadêmica quanto para atender a demanda de empresas públicas ou privadas, no ramo da saúde, alimentício, de beleza e etc. Os estudantes devem entender que os caminhos a seguir não dependem somente da oferta, mas também da procura e de se fazer conhecer o profissional bioquímico. Quanto mais profissionais possuirmos participando de processos seletivos para trainees, por exemplo, como estagiários ou trabalhando dentro dessas empresas privadas, maior a divulgação para nossa profissão. Enquanto estudante eu pude perceber que a grande parte dos alunos procura estágio nos laboratórios acadêmicos, mesmo quando o objetivo não é seguir na academia.Possuímos um mundo muito maior dentro de empresas privadas ou mesmo empresas públicas que não se restringe a pesquisa acadêmica, mas para isso precisamos nos fazer conhecer.
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